Hotéis acolhedores e gastronomia sazonal na Serra Fluminense, por Daniela Filomeno

Com clima de serra e conexão com o campo, Petrópolis e Teresópolis apresentam acomodações íntimas ao mesmo tempo que servem uma culinária encorpada de dar água na boca

Daniela Filomenodo Viagem & Gastronomia

A Serra Fluminense é um mundo de possibilidades. Além do clima ameno que nos faz tirar os casacos do armário e ficar mais próximos da lareira, sua herança histórica dos tempos do Império fascina qualquer um – até os que não têm interesse no passado brasileiro.

Misture estes patrimônios com as belezas naturais da região serrana do Rio de Janeiro e, voilà, temos um destino muito completo bem próximo à capital. E é claro que todos estes aspectos se mesclam com uma deliciosa gastronomia e com hospedagens íntimas acolhedoras.

Considero Petrópolis, a Cidade Imperial, um ótimo ponto de chegada ou de partida para se experimentar a Serra Fluminense. É na cidade e em seus arredores que ficam alguns dos melhores hotéis e pousadas, assim como restaurantes e experiências gastronômicas para lá de saborosas. Teresópolis, bem pertinho dali, também se destaca entre os deleites culinários.

Pude notar que um dos ingredientes que fazem a Serra Fluminense ter seu encanto é o tempo: ali ele é diferente dos grandes centros urbanos que estou acostumada, como São Paulo ou Rio de Janeiro. Seja no processo de maturação dos alimentos, na arte de cozinhar ou ainda no conforto das instalações rústicas, o tempo passa devagar e deve ser respeitado para que tudo saia com a maior qualidade possível. Aqui, a paciência é uma virtude que se ganha entre as serras.

Tudo é muito fresco, e os ingredientes dos locais que visitei para os episódios “Serra Fluminense” do programa CNN Viagem & Gastronomia são aproveitados de acordo com a sazonalidade. A região possibilita algo incrível: viver uma experiência de serra ao mesmo tempo que nos conecta com o campo.

Rústicas, íntimas e requintadas, as hospedagens se adequam perfeitamente ao clima da serra. Saborosos, encorpados e dignos de se repetir, os pratos de restaurantes locais seguem a mesma lógica.

Onde ficar na Serra

Casa Marambaia

jardins piscina e casarao da Casa Marambaia
Área externa da Casa Marambaia, com piscina e amplo jardim em frente ao casarão de 1947/Foto: Daniela Filomeno

Em poucas palavras, o novíssimo Casa Marambaia equilibra com maestria a sofisticação com o aconchego de uma casa-fazenda. Inaugurado neste ano, o hotel boutique ocupa um casarão de 1947 rodeado de jardins projetados por ninguém menos do que Burle Marx. Ele fica em uma antiga fazenda na região de Corrêas, a 15 minutinhos do centro de Petrópolis.

Com oito quartos e decoração rústica chique, a intimidade é um deleite que pude vivenciar ali junto de outras experiências memoráveis aos pés da cordilheira da Serra dos Órgãos. Acordar e se deparar com a fina neblina logo de manhã deixa claro que o clima de serra nos espera, assim como praticar ioga nos gramados em frente ao casarão traz uma (tão) necessária paz.

É um refúgio muito bem-vindo tendo em mente também as novas adaptações por conta da pandemia. E nesta escapada, é claro que a gastronomia seria a melhor possível. A cozinha fica a cabo do perfeito mix entre a culinária brasileira e francesa, dado o time de renomados chefs que comandam a gastronomia do Marambaia: os franceses Roland Villard e David Mansaud e o brasileiro Bruno Hamad.

horta casa marambaia
Daniela Filomeno colhe folhas e verduras da horta da Casa Marambaia usadas nas receitas do dia a dia/Foto: Daniela Filomeno

Tudo servido no prato é muito fresco e natural, pois é numa grande horta da propriedade que a maioria dos ingredientes brota. São folhas e verduras que combinam com as criações da cozinha, principalmente do chef Mansaud, com quem tive a honra de colher folhas de mostarda, almeirão e bertalha para a receita de entrecôte com verduras e legumes.

O mais interessante é que os pratos são feitos com o que a horta oferece naquele dia. Ou seja, colhe-se o que tem e come-se a criação a partir disso. Bravíssimo!

Entre as experiências, que tal um piquenique nos jardins com vista para o casarão? Ou apreciar apresentações eventuais na sala do piano? E ainda um jantar na convidativa adega de tijolinhos aparentes com ovo parfait acompanhado de queijo da serra e harmonizado com vinho branco? Tudo isso pode ser degustado na Casa Marambaia, terminando a noite com uma sobremesa ao lado de uma fogueira vislumbrando o céu aberto e a natureza ao redor.
Rua Dr. Agostinho Goulão, 2098 – Corrêas, Petrópolis – RJ. Telefone: (24) 2236-3650. Reservas: (24) 99965-2115.

Solar do Império

solar do imperio petropolis
Lago das carpas cercado pelos jardins e palacete do Solar do Império, no centro de Petrópolis/Foto: Daniela Filomeno

E que tal ficar no centro da cidade, ao lado de bons restaurantes, de toda a parte histórica e do agito de Petrópolis? Unindo luxo, conforto e tradição, o Solar do Império é a hospedagem ideal para isso. Situado no principal endereço da cidade, na Avenida Koeler, a poucos passos da Casa da Princesa Isabel e da Catedral São Pedro de Alcântara, o hotel ocupa dois palacetes históricos, ambos tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) – o mais antigo é de 1875.

O que mais me encantou foi a possibilidade de viver, literalmente, um pedacinho da história do local e do Brasil. Uma pista disso é o nome do quarto em que me acomodei: Carlota Joaquina. A decoração dos cômodos, com grande espelhos e móveis de madeira rústica, também remetem a outros tempos.

Comandado pelo chef Bertrand Materne, a gastronomia do restaurante Imperatriz Leopoldina tem criações únicas e, de novo, que fazem acenos honrosos ao Império. Prova disso é a Canja do Imperador, canja de galinha inspirada num dos pratos prediletos de D. Pedro II. A receita de Bertrand adiciona ovo poché e calabresa: o prato evoca relações históricas e de simplicidade, que ativam uma memória emocional e de conforto.

Como manda a serra, o tempo ali é o da não correria. Por isso, o café da manhã é servido a qualquer hora e em qualquer lugar, deixando-nos mais livres de horários. Um lago de carpas cercado pelos jardins de inspiração francesa remete momentos de relaxamento, assim como o spa com piscina ao ar livre, piscina coberta aquecida, saunas e salas de massagem.
Avenida Koeler, 376 – Centro, Petrópolis – RJ. Telefone: (24) 2103-3000.

Alcobaça Pousada e Restaurante

alcobaca pousada petropolis
Arquitetura normanda junto aos jardins da Pousada Alcobaça, comandada pela Dona Laura Goés, reflete tranquilidade do local/Foto: reprodução/Instagram

O estilo normando da arquitetura da pousada nos acolhe logo de cara, mesmo sem nem termos entrado na casa de 1914. Com apenas 11 quartos, todos com decoração individualizada, a Alcobaça é mais um exemplo dos encantos da serra: tem história, afeto e intimidade.

Decorada por detalhes históricos, objetos e móveis conservados nos levam para os tempos passados. Dona Laura Goés comanda o local, que, assim como ela, funciona sem muitas regras e moderações: ela ressalta – e podemos constatar – que o diferencial dali é a liberdade.

Na Alcobaça, não há horários e todos podem fazer um pouco do que desejar, como faz Dona Laura na cozinha. Fera nos doces, ela tem um antigo caderninho com receitas escritas a bico de pena. A cozinha, inclusive, é uma das atrações. Com uma grande coifa, cepo de madeira e fogão de lenha, é um dos cantinhos mais especiais da pousada.

Pequenas trilhas, piscinas, sauna, quadra de tênis e jardim de inspiração inglesa com lago de ninfeias e estátuas garantem o lazer e a hospitalidade, assim como o restaurante – aberto também a não hóspedes.
Rua Agostinho Goulão, 298 – Corrêas – Petrópolis, RJ. Tel: (24) 2221-1240. Reservas pelo site.

Onde comer e beber na Serra

Petrópolis

Cervejaria Brewpoint

cervejaria brewpoint
Daniela Filomeno tira cerveja direto da fonte na microcervejaria Brewpoint, em que é possível fazer um tour pelas instalações /Foto: Daniela Filomeno

Nascida em Petrópolis, é fácil encontrar as cervejas da marca em qualquer lugar da região serrana. Além de pedir uma geladinha, por que não beber direto da fonte? É possível visitar a fábrica da microcervejaria, que fica no bairro de Quitandinha, em um tour que ocorre aos sábados entre o período da manhã e da tarde.

É especial ver os grandes tonéis de inox e ouvir a história de todo o processo da cerveja desde a separação dos grãos até a fermentação e maturação. São pelo menos nove tipos de cerveja produzidas pela Brewpoint, entre lager, pilsen, weiss e red ale.

O processo de produção é lento e varia de acordo com o estilo da bebida, já que cada uma tem seu próprio ritmo – que no final é engarrafada com muita qualidade. Depois de tanta história, nada mais justo do que tirar um copo geladinho diretamente do tanque. Experimentei uma light lager, leve e refrescante de amargor gostoso, uma cerveja fácil de beber – difícil é não repetir.
Rua Afrânio Melo Franco, 330 Quitandinha, Petrópolis – RJ. Telefones: (24) 3065-3206 ou (24) 2247-9182. Tour: aos sábados, de 9h às 15h.

Pavelka e Casa do Alemão

sanduiche de linguica e croquete pavelka
O tradicional sanduíche de linguiça e croquetes do Pavelka, que fica bem ao lado da Casa do Alemão/Foto: reprodução/Instagram

Não é uma rixa, mas sim uma competição saudável. Um ao lado do outro, o Pavelka e a Casa do Alemão comungam de um produto em comum que deve ser experimentado na serra fluminense: o croquete. Os donos são amigos, e a parada é obrigatória. O conselho é não comer só em um: tem de experimentar os dois!

O Pavelka começou quando os pais do empresário Richard Pavelka chegaram no Brasil acompanhados de um casal de iugoslavos. Naquele ponto da serra ao lado da estrada, iniciaram a fabricação de linguiças e salsichas. Além do sanduíche de linguiça (de verdade, sem aditivos e bem temperado), provei o famoso croquete: cremoso por dentro e crocante por fora, a receita demorou cerca de um ano e meio para ser criada quando o empresário assumiu a administração do local.

Logo ao lado, a Casa do Alemão também faz bonito. Dica: comece pelo croquete de carne, o mais tradicional da casa, que é bem cremoso e lembra bastante os croquetes da Holanda. Os ingredientes são autênticos, sem alterações, em que a receita fica leve e muito saborosa sem adição de sintéticos. O ideal é terminar a experiência com os biscoitos amanteigados tradicionais do local.
Pavelka: Avenida Ayrton Senna, 999, Quitandinha, Petrópolis – RJ. Telefone: Loja (24) 2242.7990 / Casa do Alemão: Avenida Ayrton Senna – 927, Quitandinha, Petrópolis – RJ. Telefone: (24) 2291-4291.

Angá Ateliê Culinário

anga atelie culinario
Salão do Angá Ateliê Culinário, espaço concorrido e com poucos lugares da chef Lydia Gonzalez/Foto: reprodução/Instagram

Uma das minhas maiores descobertas da viagem por Petrópolis e pela Serra Fluminense foi a chef Lydia Gonzalez, que comanda o Angá Ateliê Culinário. Para entender seu trabalho é necessário conhecer sua trajetória.

Natural de Petrópolis e formada em Gastronomia, Lydia sempre cozinhou em sua casa de forma simples e bem caseira. Após uma passagem pela Europa, ela entendeu seu lugar junto da culinária brasileira: teve contato com produtos em seu melhor estado, com o que tinha de fresco ao seu redor. Muito mais do que receitas, começou a trabalhar a partir do que o produto podia dar a ela.

Assim, após anos de experiência, nasceu o Angá, que é como uma extensão de seu lar: quis reproduzir o que já fazia em sua casa. Por isso, não há um menu no ateliê – e não um restaurante, analogia ao local onde se faz artesanato. Intuitiva, sua cozinha é inspirada por um passeio pelos sabores do que há de disponível no dia – e o que da terra brota. Com isso, Lydia cita “liberdade”.

A degustação é assim: a conversa faz parte do prato que está sendo preparado. É como se o diálogo e nossas trocas também fossem um alimento. E é imperdível: para tal, tem de se reservar uma mesa com muita antecedência, já que são pouquíssimos lugares.

Das mãos da chef pude deliciar cavaca com nhoque de abóbora cabotiá, leite de coco fresco, pimenta de cheiro e coco queimado; mangarita (batata brasileira) com polvo, e saladinha de PANCs e, por fim, chocolate com rapadura do quilombo e jaca – uma combinação surpreendente. Digo que foi uma comida que consegui me conectar.
Rua Argentina, 393 – Nogueira, Petrópolis – RJ. Reservas pelo telefone ou WhatsApp: (24) 98163-1455

Barão Gastronomia

barão gastronomia
Interior do Barão Gastronomia, que serve comidas mais encorpadas que casam bem com o friozinho da serra/Foto: reprodução/Instagram

A serra pede por pratos mais encorpados, que nos dão mais energia e são surpreendentemente saborosos. É no famoso distrito de Itaipava que fica o Barão Gastronomia, restaurante que oferece pratos sofisticados e que combinam com o clima ameno da serra.

Um dos destaques do local é a cozinha pirotécnica, quase como uma performance. Por ali experimentei o jacaré em chamas, cuja carne vem realmente em chamas dentro de um recipiente redondo – vale ressaltar que a carne do réptil servida é autorizada pelo Ibama.

Os fondues também não poderiam faltar, é claro. Cremoso e marcante, provei o de goiabada com manjericão, degustado junto de queijo brie, que confere ainda mais cremosidade ao prato.
Estrada União e Indústria, 13581 – Itaipava, Petrópolis – RJ. Telefone: (24) 2222-2669 / (24) 98803-9387. Reservas são necessárias.

Loja da Cocada – Dona Jura

loja da cocada dona jura
Quindim da Dona Jura: Loja da Cocada, em Itaipava, vende também bala de coco (ao fundo), feita pelas mãos de Juracema há mais de 60 anos/Foto: Daniela Filomeno

Já é quase uma tradição ir à Petrópolis e voltar com balas de coco da Dona Jura na mala. Em Itaipava ela comanda a cozinha da Loja da Cocada e faz os doces na própria casa. Já são mais de 60 anos em que ela coloca a mão na massa – e faz doces deliciosos. Na frente da simples lojinha, adornada por detalhes em amarelo, há até uma placa que conta a trajetória de Juracema, seu nome verdadeiro.

Anteriormente já tinha provado a bala e também a cocada, mas encontrar com ela e admirar o preparo das iguarias tornou tudo ainda mais especial. Além destes doces, o quindim é certeiro: gostoso e fresco, como pude comer ao lado da própria Dona Jura.

Digo que ela é uma mulher admirável pela força e destreza das mãos. É bonito vê-la cortando a massa com a tesoura, que se transforma em pedacinhos da bala. Entre os produtos, há também balas recheadas, cocadas cremosas e quindão.
Estrada União e Indústria, 9991 – Itaipava, Petrópolis – RJ. WhatsApp: (24) 99251-6449

Teresópolis

Mad Brew Tap & Steak House

mad brew cervejaria
Fachada da Mad Brew Tap & Steak House em Teresópolis, local despojado e com cervejas da marca/Foto: reprodução/Instagram

Terra das cervejas artesanais – impossível sair da região da serra do Rio de Janeiro e não experimentar pelo menos uma delas -, conheci a tap house despojada da Mad Brew, cervejaria de produção em Teresópolis.

Nascida de maneira despretensiosa para amigos e familiares, as cervejas logo ganharam feedback positivo também no boca a boca e, com o sucesso, o empresário Pedro Paiva deu pontapé na ampliação do negócio.

O interessante é que escolhemos nossa carne para ser feita na hora na churrasqueira – junto, claro, de uma boa e gelada cerveja. Pequeno, com um mezanino e grafites nas paredes, Pedro explica que sempre tentam trazer o irreverente para a experiência do cliente, fugindo do tradicional.

Deu certo! É uma delícia tirar as cervejas da torneira e comer uma apetitosa carne, a exemplo da parrilla.
Rua Tietê, 400 – Loja 4 – Alto, Teresópolis – RJ. WhatsApp: (21) 97665-8665.

Defumados Transmontanos

defumados transmontanos
Produtos artesanais do Defumados Transmontanos passam por defumação natural/Foto: reprodução/Instagram

Próximo à Feirinha do Alto, o Defumados Transmontanos é uma loja de produtinhos artesanais que transpira tradição portuguesa. A placa com o nome do local anuncia que ali há uma produção artesanal de alheira e defumados seguindo à risca a tradição de antigamente.

O casal português Eduardo e Lavínia desembarcou no Brasil em 1984 e começou a fazer alheiras para consumo próprio. A paixão virou negócio, hoje tocado por Filipe, filho do casal. É excepcional ver tudo sendo feito da maneira mais artesanal e manual possível, com o tempo – e a paciência – como ingredientes principais.

Todo processo não é acelerado de maneira artificial: o que rege a defumação é a lei natural e a fumaça. É quase uma joia rara na seara de quem faz os defumados – muitos clientes chegam lá e agradecem a equipe por aguçar memórias da infância em Portugal. “Nosso objetivo vai além de vender. É levar até a mesa boas lembranças de um passado que estará sempre presente em nossas vidas”, ressalta Filipe.

A alheira é um dos produtos mais especiais do Defumados Transmontanos: é feita com pão, carne de porco, frango, azeite, alho e colorau, embutida na tripa natural e depois passa por uma leve maturação, que leva de um a dois dias.
Rua Servidão do Viaduto, 220 – Alto, Teresópolis – RJ. Telefone: (21) 2642-0717. WhatsApp: (21) 98468-5210.