Mercado Novo, o mercadão de BH, leva agito gastronômico para o centro da cidade

Ocioso por décadas, o local ganhou novo fôlego com a chegada de negócios diversos que valorizam a gastronomia popular e a cultura mineira

Parte da fachada do Mercado Novo de Belo Horizonte, que tem virado um point alternativo e turístico na cidade
Parte da fachada do Mercado Novo de Belo Horizonte, que tem virado um point alternativo e turístico na cidade Divulgação/Cervejaria Viela

Daniela Filomenodo Viagem & Gastronomia

Belo Horizonte

O Mercado Novo de Belo Horizonte pode ser visto como um local de contradições. Apesar do nome, sua história é antiga e, no mínimo, para lá de interessante.

Suas proporções são grandiosas, mas, por décadas, funcionou de maneira adormecida com apenas algumas lojas. Bem no centro da capital mineira, ficou por muito tempo às sombras do irmão mais popular e turístico, o Mercado Central.

Hoje, porém, a história é outra. Em seus quatro andares ativos, contando com o térreo, notamos a presença de restaurante, cervejaria, cachaçaria, lojas variadas, prestação de serviços, feira, entre outros diversos tipos de negócios.

Além disso, e talvez mais importante, o mercado nos apresenta vida gastronômica, social e cultural agitadas pelos corredores. De cara dá para perceber que a arquitetura rústica e a decoração retrô são marcas registradas do pedaço. Com uma informalidade encantadora, somos convidados a fazer parte do encontro das mais diversas tribos urbanas.

Todo esse burburinho, porém, teve pontapé em 2018, ano em que foi inaugurada a Distribuidora Goitacazes e a Cozinha Tupis, cervejaria e restaurante no terceiro pavimento do mercado, negócios que foram os precursores de uma bem-vinda revitalização do espaço.

O mercado ao longo dos anos

A história do Mercado Novo de Belo Horizonte é peculiar. Inaugurado em 1963, ele era uma inédita promessa de comércio na capital mineira, construído com a mentalidade de ser um complemento ao Mercado Central.

Podemos notar que o projeto era ambicioso: originalmente seriam mil lojas, o que o transformaria em um dos maiores mercados não somente da região mineira mas também do país. Mas sua trajetória não saiu como planejado. Com o tempo, grande parte de suas lojas ficaram desocupadas e o mercado caiu num ritmo ocioso.

Acabou sendo preenchido por negócios de serviços ao longo dos anos, como gráficas e oficinas, que até os dias de hoje vemos aos montes por aqui. Assim, o empreendimento não se tornou o “mercadão” como era esperado.

Tido como adormecido, o segredo, porém, estava dentro do próprio local. Foi a partir de sua forte personalidade, da diversidade de serviços oferecidos e de seus saberes reunidos que, em 2018, um grupo de empreendedores da Cervejaria Viela, de produção artesanal da própria capital mineira, inaugurou dois negócios – um em frente do outro – e começou a revitalização do Mercado Novo.

Com isso, houve um inesperado frenesi de pessoas com a abertura dos negócios. O interesse acabou sendo orgânico e em muito pouco tempo, aproximadamente após um ano, mais de 150 boxes que estavam parados foram alugados no mesmo andar.

Com isso, surge um movimento digno de nota: o Velho Mercado Novo, grupo de lideranças dentro do mercado que atua com a missão de organizar o repentino interesse no pedaço. Tudo é feito com cuidado, pois o que desejam não é expulsar as pessoas que já estavam ali há décadas, mas sim mostrar seu devido valor à Belo Horizonte e integrar os negócios antigos aos recém-chegados.

Quem chega ali querendo alugar um boxe, por exemplo, é orientado pelo movimento sobre a autenticidade do mercado e as condutas tomadas por todos, já que as reformas devem seguir uma estética específica: a do próprio Mercado Novo, sem fugir da originalidade aqui encontrada.

A diferença que vemos entre a Distribuidora Goitacazes, parte do movimento, e a vizinha loja de velas Jurema, ali há mais de 40 anos, é só a idade, pois os princípios artesanais e de valorização do pequeno produtor são os mesmos.

Gastronomia e vida social

No Mercado Novo podemos testemunhar Belo Horizonte como cidade criativa da gastronomia, que permite que empreendedores transformem boas ideias e tradições em negócios que beneficiem o entorno. Assim, a nova fase do mercado é recheada de pontos que misturam arte, design, gastronomia e cultura.

Descolado, ele tem vários nomes jovens por trás dos novos boxes e junta de tudo um pouco: informalidade, comida e bebida boa, o que tem atraído tanto moradores quanto turistas. Vale se perder pelos corredores sem pressa e apreciar cada lanchonete e lojinha, desde o térreo até o último andar, contemplando uma mescla entre o passado e o presente.

Com isso em mente, destaco a Cachaçaria Lamparina, casa com decoração que remete aos armazéns antigos e que trabalha exclusivamente com cachaças de produção artesanal e familiar, uma das grandes riquezas de Minas Gerais.

Como um bom boteco, o legal é ficar encostado no balcão e interagir com os funcionários, sempre pedindo aquela dose especial da “marvada”. Idealizadores da cachaçaria, Guilhereme Costa e Thales Campomizzi fazem viagens pelo estado a fim de visitar alambiques, conhecer o processo de produção e enriquecer a cartela de opções.

Dica: experimente o Macunaíma, coquetel brasileiro que saiu do Bar Boca de Ouro, em São Paulo, e já conquistou o paladar – e o coração – dos mineiros, assim como o Bombeirinho, que é refrescante, semelhante a um suco, mas com a diferença de ter álcool e predominância de limão.

Além da cachaça e do torresmo, todos sabemos que Minas é a terra do pão de queijo. Inovando e fazendo bonito com a iguaria está A Pão de Queijaria, que vende quitutes tradicionais tanto no Mercado Novo quanto em uma loja no bairro Savassi.

O interessante é que eles possuem um cardápio com mais de 10 tipos de pães de queijo, que são recheados com mortadela, frango e até costelinha de porco desfiada com queijo minas derretido! Os cardápios das duas lojas diferem entre si, trazendo exclusividade e mais criações inusitadas para nós.

Uma vez no Mercado Novo, não deixe de conhecer a já citada Cozinha Tupis, sob comando do chef e empresário Henrique Gilberto. No terceiro pavimento, o restaurante nos apresenta releituras de delícias mineiras muito bem feitas para o almoço, daquelas que queremos petiscar sem parar. Sempre há o prato do dia: uma carne ou vegetal com escolha de mais cinco acompanhamentos. Os ingredientes são frescos e o cardápio está em constante mudança.

O que fica fixo, porém, é o melhor de toda a experiência: o balcão. Ele foi recriado com base nos balcões dos próprios restaurantes populares dos andares debaixo do mercado, tomando como base essa cultura tão forte de Minas.

A cozinha é toda aberta, e podemos ver todos os ingredientes e o vai e vem dos funcionários logo à nossa frente. Como ressalta o próprio Henrique, a melhor experiência em BH é ir para os botecos e prosear – o que definitivamente acontece aqui de uma maneira natural e despojada.

E, claro, duas coisas não podem faltar: o bom e velho torresmo e a cerveja gelada. Juntos, eles formam um dos DNAs de Minas – que está muito presente em todo o mercado.