Do Brasil até a Namíbia, astroturismo une observação do céu com preservação ambiental

Prática ocorre em locais reclusos com baixa poluição luminosa; confira onde observar fenômenos celestes ao redor do mundo, em que até organizações lutam pela conservação do firmamento

Via Láctea vista a partir do Chile, um dos países com boa infraestrutura para astroturismo
Via Láctea vista a partir do Chile, um dos países com boa infraestrutura para astroturismo Francisco Negroni/Sernatur

Saulo Tafarelodo Viagem & Gastronomia

Além das comemorações de Natal ao redor do mundo, o dia 25 de dezembro de 2021 foi marcado pelo lançamento do telescópio espacial James Webb, instrumento de US$ 9 bilhões capaz de esmiuçar os cantos mais recônditos do cosmo.

Descrito como uma “nova era da astronomia”, as lentes superpoderosas do equipamento já têm revelado fotos inéditas feitas a mais de 1,5 milhão de quilômetros da Terra: imagens de Júpiter, da forte luz de Marte, dos anéis de Netuno, da luz de estrelas e aspectos invisíveis do Universo são algumas das demonstrações nítidas do telescópio.

Se o instrumento não foi suficiente para despertar sua curiosidade de, daqui da Terra, olhar para o céu, certamente você não passou impune dos eventos celestes observados neste ano. Eclipses lunares totais, várias chuvas de meteoros e superluas iluminaram o firmamento em 2022.

Aliados aos rastros que a pandemia deixou no turismo, como o boom da procura por lugares reclusos e ligados à natureza, todos estes eventos lançaram luz a um nicho em desenvolvimento: o astroturismo.

O que é o astroturismo

Descrito como uma forma de turismo sustentável e responsável que combina observações do céu noturno e diurno, o astroturismo desenvolve atividades de divulgação e lazer relacionadas à astronomia.

Também é um recurso que promove territórios menos desenvolvidos, que encontram nesta modalidade uma oportunidade para atrair mais visitantes.

A definição acima é sustentada pela Starlight Foundation, entidade sem fins lucrativos fruto do Instituto de Astrofísica das Canárias (IAC) que valoriza o céu estrelado e luta para protegê-lo, cuidando de um “patrimônio científico e cultural que é de todos”, segundo a fundação.

A entidade, que ainda é apoiada pela Organização Mundial do Turismo (UNWTO) e corresponde a uma ação integrada da UNESCO, concede certificados para locais ao redor do mundo que são considerados ideais para a observação do céu e das estrelas.

A maioria das indicações é na Europa, com alguns pontos no Canadá, no Chile e no Peru, mas que ajudam os aventureiros interessados em astroturismo a delimitarem suas procuras.

Já o Brasil é creditado pela Dark-Sky Association, autoridade quando o assunto é combate à poluição luminosa ao redor do mundo.

A organização tem o que chama de International Dark Sky Places, lista de locais certificados ao redor do planeta criada para incentivar comunidades, parques e áreas protegidas com o intuito de preservar e proteger locais escuros por meio de políticas de iluminação responsáveis ​​e educação pública.

Atualmente há cerca de 195 propriedades e áreas no mundo com o certificado, de acordo com o último levantamento da organização de janeiro deste ano.

Um dos exemplos é o Parque Estadual do Desengano, no Rio de Janeiro, único endereço brasileiro do mapa da Dark-Sky e que recebeu a distinção no final de 2021, se tornando também o primeiro Dark-Sky Place da América Latina.

O Parque Estadual

Parque do Desengano é única área brasileira no mapa de bons destinos sem poluição luminosa da Dark-Sky / Sérgio Costa

Considerado o primeiro parque criado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, o local é um dos mais importantes fragmentos florestais na Serra do Mar, se debruçando sobre os municípios de Santa Maria Madalena, São Fidélis e Campos dos Goytacazes.

Os registros apontam que o parque é lar de mais de 1.321 espécies de flora, sendo 58 delas ameaçadas de extinção e 81 endêmicas do estado do Rio.

Acessado 24 horas por dia, é durante à noite que os amantes de astroturismo podem ter um prato cheio: o céu brilhante garante vistas deslumbrantes para as estrelas. A Dark-Sky salienta que a Via Láctea é claramente visível, cheia de luz e de cores impressionantes.

Estes detalhes, muitos deles vistos a olho nu, só são possíveis de serem presenciados pela total ausência de iluminação artificial do parque, e também pela localização entre vales, morros e vegetação.

O Parque Estadual do Desengano, é, portanto, um bom exemplo do que é necessário para que se tenha uma boa observação do céu noturno.

Condições ideais

De acordo com Elielson Soares Pereira, astrônomo egresso do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), são três os requisitos primordiais para um astroturismo de qualidade:

  • Estar longe de grandes centros urbanos, por conta da poluição luminosa;
  • Escolher períodos ou locais mais secos;
  • Ser uma localização em altas altitudes

O Parque do Desengano, por exemplo, cumpre alguns dos requisitos, em que os meses mais recomendados para visão dos astros são entre maio e agosto, quando o céu está completamente limpo de interferência de nuvens.

Segundo a Dark-Sky, o melhor local para desfrutar da observação de estrelas é o setor da Morumbeca dos Marreiros, área acessível por veículos que possui infraestrutura para receber visitantes.

O mesmo ocorre com a Chapada dos Veadeiros, parque nacional em Goiás que é a base dos trabalhos do astrônomo Elielson. No ano passado ele criou a Céu de Gaia, agência e operadora de turismo que como mote pacotes de astroturismo, seja em território nacional ou até mesmo em países vizinhos ao Brasil, como no Chile.

A sede da empresa fica em Alto Paraíso de Goiás, uma das entradas da Chapada e que fica a cerca de 240 km de Brasília, assim como fica acima dos mil metros de altitude e tem período seco mais evidente entre maio e agosto.

Segundo o fundador, a agência diversifica os roteiros como estratégia para agradar a diferentes tipos de turistas e propõe programas de acordo com as diferentes fases da lua.

Atualmente, a Céu de Gaia oferece tour astronômico no Observatório Bellatrix, que contém um domo com telescópio elevado a 8 metros de altura em meio às vistas da Chapada dos Veadeiros.

Outro passeio oferecido é a Trilha da Lua Cheia, que é feito entre 2 e 3 dias antes ou depois da Lua Cheia. Os passeios variam de valor e também podem ser personalizados – uma ida ao Observatório Bellatrix, por exemplo, sem transporte sai por cerca de R$ 175 por pessoa, em que os grupos acomodam até oito pessoas.

Por que ver o céu?

Observar do céu mexe com os sentidos e turismo astronômico é forma sustentável de desenvolver uma região / Divulgação/Sernatur

Os fenômenos pontuais, chamados também de efemérides, que incluem chuvas de meteoros, cometas e eclipses, são alguns dos grandes eventos que chamam a atenção para o astroturismo.

A modalidade, porém, vai muito além disso.

“É um turismo de experiências. Um turismo que trabalha com os sentidos: o sentido primordial trabalhado é a visão, mas depois vem a audição – ouvimos sons da natureza, de alguns animais, ou até mesmo percebemos sons mais distantes”, diz o astrônomo Elielson Soares.

Ele ainda defende que o astroturismo está inserido em outros contextos. “Outro elemento é também poder trabalhar com o que é local, como a culinária daquele lugar específico. É importante estarmos atentos à parte cultural também”, afirma.

A prática, que é mais difundida nos Estados Unidos, na Europa e no Chile, como no Deserto do Atacama, também precisa de alguns cuidados.

Guias credenciados ajudam nas trilhas e também auxiliam no melhor entendimento da observação do firmamento aos mais inexperientes. Lanternas se fazem necessárias no trajeto, assim como é importante um kit de primeiros socorros.

“As pessoas que vão fazer essas experiências precisam se sentir seguras”, relembra Elielson.

Para o profissional, o astroturismo também é uma importante vertente de atuação do conhecimento científico, sendo uma busca por outros conhecimentos e por vivências mais reais que se afastam um pouco apenas do campo teórico.

“O céu também é história: era usado antigamente para os humanos se guiarem e também para o tempo de colheitas. São modos de viver baseados no céu, em que nos remete a um passado também”, destaca.

5 locais no mundo para astroturismo

No Brasil, o Parque Nacional do Desengano e a Chapada dos Veadeiros são locais já citados como adequados para a realização de um astroturismo de qualidade.

Outros endereços, mais ligados ao caráter educacional, também podem ser ideais, a exemplo de observatórios e planetários nas principais cidades brasileiras.

O país, porém, ainda engatinha no assunto. Outros países, até mesmo vizinho ao território nacional, possuem uma melhor infraestrutura para receber os visitantes e fazem manchetes mundo afora.

A seguir, conheça cinco locais ao redor do mundo para experiências ligadas ao astroturismo:

Chile

O Chile apresenta um dos céus mais limpos de todo o Hemisfério Sul. Observatórios espalhados pelo país, principalmente no norte, são famosos ao redor do mundo e, além de alguns serem abertos a visitas, contribuem para o conhecimento científico.

De acordo com a própria organização que cuida do turismo no território, as áreas de La Serena, Valle del Elqui, San Pedro de Atacama, Antofagasta e Iquique contam com agências especializadas que oferecem transporte, acomodações e atividades ligadas ao astroturismo.

Um dos exemplos é o Observatório de la Silla, localizado em La Serena e Coquimbo, a 600 km ao norte da capital Santiago e na periferia do Deserto do Atacama. O centro de pesquisa científica fica a 2.400 metros de altura em, com importantes telescópios que captam os movimentos ao redor da Terra.

Além de educadores, estudantes e pessoas ligadas à astronomia, o observatório fica aberto ao público, em que é possível adentrar em certos telescópios e também se deparar com cenários arrebatadoras do deserto e dos Andes. As visitas ocorrem gratuitamente aos finais de semana e possuem capacidade limitada – os tours devem ser agendados no site.

Em esquema parecido está o Observatório Cerro Mamalluca, na comuna de Vicuña, na região do Coquimbo. Por cerca de 4.500 pesos chilenos (cerca de R$ 25) é possível visitar o espaço, observar o céu a olho nu e também olhar através das lentes de alguns telescópios. O tour dura cerca de 1h30.

Já para os que desejam uma estada mais alongada, o Explora Atacama, hotel em San Pedro de Atacama, garante acomodações sofisticadas assim como experiências gastronômicas e aventureiras em meio a um dos locais mais reclusos do planeta.

Se durante a noite o céu estrelado já impressiona nesta região recôndita do país, o observatório, aberto em 2008, conta com um potente telescópio que garante visuais nítidos do firmamento. É, inclusive, um dos melhores telescópios privados do país.

Uruguai

Vizinho ao Brasil, o Uruguai também apresenta certas localidades com baixa poluição luminosa que se apresentam como ideais – além de bonitas – para a observação do firmamento.

Um desses locais é o Cerro de La Buena Vista, em Rocha, ponto mais elevado das dunas de Cabo Polonio e Barra de Valizas.

À noite, em meio ao aspecto desértico do local, apreciar o céu estrelado e o centro galáctico, principalmente no final do verão e no início do inverno. Por ser uma paisagem aberta e elevada, é ideal ver o arco da Via Láctea cruzando o céu de um lado a outro.

Cerro Catedral, em Maldonado, também é um desses lugares,

Consiste num dos pontos mais altos do país e preferido pelos fotógrafos de astros, em que faz parte da Serra do Carapé, braço da Cuchilla Grande que vai de Maldonado a Rocha.

A observação dos céus é recomendado nas primeiras horas de escuridão, já que a região não conta com serviços. Algumas constelações, como a Orion, são facilmente vistas.

Já o Parque Salto del Penitente junta a fauna e a flora locais com pouca poluição luminosa, já que está entre montanhas de Lavajella.

O parque conta com acampamento, em que a hospedagem é ideal, principalmente entre os meses de março a outubro -período recomendado para melhor aproveitamento dos visuais noturnos no céu no país.

No parque, chuvas de meteoros, especialmente nos meses de outubro e dezembro, podem ser visitas nitidamente.

Estados Unidos

Famosos em território americano, são mais de 420 parques registrados no sistema de parques nacionais dos Estados Unidos. Além da fauna e flora exuberantes, com inúmeras atividades ao ar livre feitas em diferentes épocas do ano, alguns deles também carregam a alcunha de serem ideais para astroturismo.

É o caso do Big Bend National Park, no sudoeste do Texas, que possui paisagens deslumbrantes em meio a rios, com possiblidade de fazer trilhas, acampar e passear a cavalo. Com o cair da noite, devido sua localização afastada dos grandes centros, as estrelas dão as caras e garantem um céu brilhante, o que atrai milhares de visitantes todos os anos.

Já no Colorado, o Great Sand Dunes National Park possui algumas das dunas mais altas do estado e pores do sol que pintam o céu com incríveis cores. Durante a noite, o ar seco do parque ajuda a criar uma atmosfera perfeita para observar o céu.

No Utah, o Canyonlands National Park também cumpre a missão: são inúmeros cânions cortados pelo rio Colorado e afluentes que o transformam em um destino popular entre os aventureiros. Com a ajuda do cenário desértico, a poluição luminosa é mínima, o que o ajuda a ter uma das menores emissões de luz de todo o país. Já deu para imaginar como o céu fica durante a noite?

Vale ressaltar que todos os parques acima são listados entre os parques certificados pela Dark-Sky.

Portugal

No meio do Alentejo fica um dos destinos para astroturismo mais celebrados do mundo, mesmo que inúmeros indivíduos que visitam a região anualmente não saibam.

O Dark-Sky Alqueva é uma área certificada e protegida que abrange cerca de 10 mil quilômetros quadrados. A reserva da Dark-Sky tem telescópios para observação solar e astronômica que permitem visões para planetas, crateras da Lua, nebulosas e galáxias.

De acordo com o governo, uma série de municípios ao redor, como Alandroal, Reguengos de Monsaraz, Portel, Mourão, Moura e Barrancos, fazem um esforço conjunto para diminuir suas luzes públicas artificiais durante a noite

A região também está equipada com acomodações e restaurantes, assim como agências de turismo e guias que auxiliam os visitantes diretamente interessados em astroturismo na região.


Namíbia

Localizada no sudoeste da África, a Namíbia é um dos países que tem desenvolvido a promoção do turismo no território em volta do astroturismo. Seus parques, com paisagens deslumbrantes da fauna e flora locais, possuem pouquíssima luminosidade e por isso não há interferências de poluição pela luz.

A combinação dos elementos garante observações noturnas espetaculares. A Universidade da Namíbia, inclusive, trabalha junto da Universidade de Oxford para implementar o desenvolvimento de um turismo voltado ao nicho no país africano.

O único local incluso na Namíbia na lista da Dark-Sky é a Reserva Natural NamibRand, uma das mais importantes reservas naturais privadas da África, que fica em um dos locais mais escuros da Terra.

Dentro da reserva, além do céu brilhante, a biodiversidade do sudoeste do Deserto do Namibe também é protegida com a ajuda da distinção da Dark-Sky.

No centro da reserva está o Centro de Educação Ambiental do Deserto do Namibe. Aberto ao público, o centro possui programas de educação ambiental sobre a Terra e o céu, com opções que envolvem até pernoite, em que acampamentos são postos ao ar livre e os indivíduos tem a chance de verem as estrelas das suas camas.

Também há algumas instalações em outros locais, como no Parque Nacional Namib-Naukluft, que abrange ainda um pedaço do Deserto do Naribe, onde acampamentos ganham vida a noite com os olhos voltados ao céu.