Uma expedição no Polo Sul: desbravando a Antártida

Qual a experiência mais diferente que já fez na vida? Caiaque entre icebergs definitivamente está entre as minhas. Expedição na Antártida nunca esteve no topo da minha lista, até por falta de conhecimento; agora é uma das minhas viagens preferidas

Confira abaixo o relato da nossa editora-chefe, Daniela Filomeno, sobre a incrível expedição que fez pela Antártida em janeiro de 2020. 

Caminhadas por vulcões, pinguins, baleias, icebergs gigantes e glaciares que ultrapassam séculos parece mais uma aventura que uma viagem. E é. A ansiedade na noite anterior de voar para Antártida foi justificada ao pousar na pista de brita, em plena base aérea militar chilena, e caminhar entre aquelas construções circulares e tendas em formato hemisférico que dá a sensação de não estar neste planeta. Ao menos não em um lugar comum. Aliás, a Antártida tem todas as características possíveis para riscar a palavra comum de sua definição.

Crédito: domínio público/British Empire – Abraham Ortelius

Na Grécia Antiga, uma teoria de Ptolomeu e Aristóteles sugeriam a Terra Australis, um gigantesco continente que preenchia todo o sul do globo, “balanceando o peso da Europa, Ásia e África”, registrado em um mapa do século XVI. Aliás seu tamanho, maior dimensionado, foi revisto após a expedição de James Cook, que apesar de cruzar o Círculo Antártico nunca pisou em solo, devido névoas e blocos de gelo. A notícia de baleias na região se espalhou rapidamente, provocando uma corrida de caçadores no século XIX.

A incrível experiência de observar as espécies do Polo Sul de perto (Foto: Daniela Filomeno)

A Antártica não pertence a nenhum país específico. Sem um governo, a Antártica possui um Tratado assinado por 50 países onde define que seu continente só pode ser utilizado para fins pacíficos, pesquisas científicas colaborativas entre as bases ali instaladas e nenhum país pode reivindicar território. O tratado original foi assinado em 1959 pela Argentina, Austrália, Bélgica, Chile, França, Japão, Nova Zelândia, Noruega, África do Sul, a extinta União Soviética, o Reino Unido e Estados Unidos; com a inclusão posterior dos demais países.

Se já me perdi na história imagina visitar este lugar? É uma experiência de vida. O turismo é por meio de expedições (não existe nenhum tipo de hospedagem em terra) desde 1966, onde cerca de 40 embarcações desbravam a Península Antártica, Geórgia do Sul e Ilhas Malvinas (Islas Malvinas). As saídas são do Ushuaia (Argentina), Port Stanley (Ilhas Malvinas) ou Punta Arenas (Chile), de onde saímos. Mais raramente de Buenos Aires (Argentina) e Puerto Madryn (Argentina).

Icebergs: atração nas expedições no Polo Sul (Foto: Daniela Filomeno)

Exploramos o continente no World Explorer, novíssimo navio da Quark Expeditions. A opção pela empresa foi quando apresentou o novo navio no Brasil e fiquei maravilhada: eles trouxeram sofisticação e gastronomia no navio World Explorer. A companhia é especialista em Polos – há 29 anos faz estes roteiros – e tem como foco as expedições com especialistas a bordo – de biólogos, geólogos a historiadores. Buscam te deixar o máximo de tempo fora do navio, priorizando experiências, com uma tripulação de guias e acadêmicos. Tem baleia no entorno? Para tudo e anuncia no alto falante. Afinal, é mais importante vê-la que ouvir falar sobre ela. E isso me atraiu muito. 

Confira aqui matéria com mais detalhes sobre o cruzeiro pela Antártida:

Antártida: o mais isolado e intrigante continente do mundo

Roteiro 

O nosso começou a exploração a partir da Ilha King George, na Antártica, local que abriga uma base militar chilena e muitas bases científicas de vários países. A expedição foi de 8 dias (6 a bordo), “pulando” com um voo de duas horas o temido Estreio de Drake, que liga o extremo sul do nosso continente à Antártida. Conhecida por ser uma das travessias mais difíceis do mundo, não é todo mundo que quer/ consegue encarar estes 1,5 a 2 dias de navegação com o mar batendo a partir do Ushuaia, na Argentina. Por isso existe está opção “fly the Drake”, que decola de Punta Arenas, na Patagônia Chilena, rumo a ilha King George. Já está na minha lista de desejos cruzar o Drake rumo às Ilhas Malvinas (Falklands) e Geórgia do Sul, que é riquíssima em vida marinha. 

Ao pousar na ilha King George, uma caminhada de 2km para chegar à costa e pegar o zodiac (barco) para chegar ao navio. Exploramos a Antártida no World Explorer, no mais novo navio da Quark Expeditions. Zarpamos de King George Island e começamos a aventura cruzando o Canal de Bransfield.

Paradas da expedição

Entre gelos, glaciares e icebergs de caiaque (Foto: Daniela Filomeno)

O turismo na  região da Península Antártica acontece nas Órcades do Sul, incluindo Laurie, Ilhas Coroação; Ilha Elefante (Elephant Point); Ilhas Shetland do Sul (Deception, Livingston, King George, Ilhas Low e Smith); Península Antártica do Nordeste Do Cabo Dubouzet à Ilha James Ross; Península Antártica Noroeste Do Cabo Dubouzet até o extremo norte do Canal Lemaire; e Península Antártica Sudoeste do extremo norte do Canal Lemaire até a área de Marguerite Bay. A definição de paradas é sempre de acordo com as condições climáticas e disponibilidade, pois cada local tem capacidade bem limitada de turismo, com finalidade de preservação.

Os Glaciares cobrem o equivalente a 10% da superfície da Terra e são 2-3% da água em nosso planeta. Para ter uma ideia da sua importância, se todos derretessem, o nível do mar subiria 70 metros, acabando com as cidades costeiras e inundando muitas outras regiões. Para entender a sua grandeza, a primeira parada foi em Cierva Cove onde podemos observar estes espetáculos de perto. Escutar o barulho de um pedaço da geleira se separar e formar um iceberg é indescritível, após o estrondo (que se assemelha a um trovão, é possível ver o iceberg girar até estabilizar. Por isso é tão importante ter uma distância segura, afinal, apenas 20% de seu tamanho fica na superfície. Neste local fizemos nossa primeira exploração de caiaque entre pedaços de gelo, glaciares e icebergs – uma experiência surreal, para guardar para sempre.

Em Portal Point, encontramos uma gigante colônia de pinguins chinstrap (pinguim-de-face-manchada ou pinguim de barbicha) onde podemos observar as “Pinguin highway”, avenidas ou trilhas onde se locomovem com mais frequência e rapidez. Ponto turístico, lá é possível fazer uma caminhada e uma parada para a famosa foto com a bandeira da Antártica. 

Região de uma antiga fábrica baleeira (1921-22), Foyn Harbour por lá também ocorreu o naufrágio do navio Governoren (em 1922). Por lá, o cruzeiro é apenas em busca de vida e realmente foi onde vimos algumas espécies de focas (são cinco na Antártida). 

Ao aportarmos em Danco Island, enfrentamos o desafio de fazer a expedição com caiaques, mesmo com vento no limite e tempo cinzento (padrão por lá), valeu a pena! Fomos recompensados por bandos de pinguins Gentoo acompanhando a nossa jornada – este é o mais rápido de sua espécie na água chegando a 36 km/h. Aqui é possível caminhar e observar de perto as colônias destas belezas da fauna do Polo Sul.

Em Port Lockroy, único local onde visitamos uma construção que abriga um museu inglês, é possível ver como é morar na Antártica. Lá também funciona o único correios do continente frio, de onde pode mandar postais (os meus ainda não chegaram, dizem que leva até seis meses). Ele fica em Jougla Point que abriga uma colônia de pinguins, com uma enorme ossada de baleia azul.

Port Lockroy, uma base inglesa que hoje abriga um museu e muitos Gentoo Pinguins (Foto: Daniela Filomeno)

Lemaire Channel

A chegada ao Canal de Lemaire foi acompanhado por Orcas. Lemaire é um estreito de 11 km de extensão e 1,6 km de largura, sendo que tem partes com apenas 800 metros. A primeira tentativa de cruzar não foi possível, devido a quantidade de blocos de gelo tivemos que dar a volta para chegar no Pleneau Platau. Na volta conseguimos cruzar. O comandante explicou, em nossa visita à Ponte, que os Icebergs são apontados no radar e que o grande problema são os pequenos blocos de gelo – duros como pedra, por isso uma pessoa fica o tempo todo com binóculo, indicando os pedaços congelados, para desviar. Uma técnica precisa e com atenção máxima – o comandante tem mais de 20 anos de experiência nos mares dos Polos.

Os icebergs no Lemmarie Channel (Foto: Daniela Filomeno)

Plenau Plateau, um “estacionamento” de icebergs

Verdadeiras esculturas de gelo enfeitam a passagem do Polo Sul (Foto: Daniela Filomeno)

Deception Island/ Telefon Bay

Que tal ancorar em uma cratera de um gigantesco vulcão? Aliás, a aventura para chegar ao centro da Deception Island na Telefon Bay começa com a travessa da única e estreita entrada. Com idade estimada de 65 milhões de anos, em que teve sua primeira erupção, já 4 mil anos seu topo explodiu e formou está gigantesca cratera tomada pelo oceano. Se você cavar 2 metros, achará água quente a 80°C, já que o magma está perto da superfície. Sua última erupção foi em 1969 formando uma cratera dentro da anterior, a área também ficou de sobreaviso há cinco anos e constante vigilância com sensores que monitoram a área, muito visitada pelas expedições. Um geologista nos acompanhou para explicar das erupções e nos deu uma verdadeira aula sobre vulcão.

Elephant Point, praia de areia preta, glaciares cinzas, aves polares e mais de 50 focas elefante em torno de uma colônia de pinguins (Foto: Daniela Filomeno)

Elephant Point

Um pontal em alto mar (explica as muitas rochas), com uma praia preta. Lá, um mar de pinguins se banhando e as focas elefante – elephant seal – aos montes.  Aqui entende o significado de safari na neve. Em Elephant Point é possível observar dezenas de focas e Gentoo pinguins. As focas elefantes se alimentam de peixes (por isso da convivência pacífica com pinguins) e tem registros de mergulharem até 2 mil metros de profundidade (momento em que se alimentam) ficando duas horas embaixo d’água, sem respirar, sendo a média 800m. Animais impressionantes, vivem em “família” de 50 fêmeas para apenas um macho e depois do esforço do mergulho para se alimentarem, ficam “jogadas” na praia para economizar energia. Fechamos nossa expedição com chave de ouro.

O navio

Uma pista de caminhada/ corrida no topo do navio dá para mostrar que trazer uma proposta mais luxuosa às expedições foi levada à sério pelo navio World Explorer, operado pela Quark Expeditions. O navio oferece seis diferentes categorias de cabines de 20 a 33 m², todas com varanda. De olho na sustentabilidade e preservação, o navio permite no máximo de 176 passageiros e oferece um restaurante – onde são feitas todas as refeições; lounge de observação com cúpula de vidro; auditório; biblioteca; loja; um mini cassino; piscina; e deck ao ar livre. Um grande espaço, próximo ao embarque/desembarque.

Quanto custa?

Os valores das expedições variam muito de acordo com o roteiro e o navio que escolher. Fizemos a expedição na Antártida no novíssimo World Explorer, da Quark Expeditions. Para a próxima temporada, o roteiro de 11 dias (navegando pela Passagem de Drake) custa a partir de USD 9 mil por pessoa em cabine dupla. O nosso roteiro foi voando para ilha King George, na Antártida, “pulando” a travessia do Drake. São oito dias (destes seis a bordo) a partir de USD 16,9 mil por pessoa em cabine dupla. O valor não inclui passagem aérea até Punta Arenas, no Chile. Em 2021, um navio novo espetacular, o Ultramarine, promete mais luxo nas expedições, além de passeios de helicópteros – são dois a bordo.

Está incluso: transfer regular do aeroporto ao hotel em Punta Arenas, no Chile; hotel pré-expedição em hotel 4 estrelas (eles precisam melhorar este quesito), transfer hotel ao porto, todas as refeições, bebidas não alcoólicas, cruzeiros nos zodiacs, explorações em terra, academia, workshops com acadêmicos (este é um grande diferencial) e palestras. Eles te emprestam as botas especiais e você ganha uma parka que usará a viagem toda.

Quando decidir fazer está aventura vale entender o motivo pelo qual o custo é alto: para ter uma ideia, o abastecimento do navio é feito mensalmente, por container, que vem da Holanda, solicitado com dois meses de antecedência. O mesmo para frutas e legumes que vêm da Argentina mensalmente (o clima contribui para a conservação, tudo aqui é superfresco). Isso sem contar a tripulação (quase 1/1) e a infraestrutura enorme. São dezenas de equipamentos – botes, caiaques, paddle – tudo sendo içado de volta para o navio -2x dia a cada parada – é surreal. Quando entender o quanto inóspito e distante é a Antártida e ver esta “máquina” funcionando (acho que só vendo mesmo), vai perceber que o custo é equivalente. E valeu o investimento!

Expedições

São duas expedições por dia, a Quark Expeditions faz de tudo para te deixar o máximo de tempo fora do navio: explorando a Antártida. A cada chegada, as condições climatológicas são verificadas para definir o tipo de passeio. Pode acontecer de uma das expedições sofrer alterações, mas o comprometimento da equipe em te colocar para fora é gigante, nem que signifique navegar um pouco mais em busca de um local mais abrigado. Elas são divididas entre cruzeiro de zodiac ou uma combinação de zodiac até a costa, com exploração, observação de vida marinha ou caminhada.

Caiaque e Stand Up paddle

Daniela Filomeno explora Glaciares da Antártida de caiaque (Foto: acervo pessoal)

Quer adrenalina extra na aventura na Antártida? Você pode alugar um caiaque, fazer Stand up paddle, esquiar, cross country ou acampar na geleira e conferir o dia de 24hs de claridade, em determinados meses do ano.

Em um primeiro momento me pareceu loucura fazer caiaque em águas congelantes (a 0°C) da Antártida (o mar congela a 1,8°C). Medo é o que pauta esta sensação, fora as focas, baleias, icebergs e pedaços de gelos no entorno. Ah, o frio e se molhar também. E fomos enfrentando tudo. O que descobri? Primeiro, o time é muito responsável e não te colocam na água se as condições não estiverem dentro do padrão: de vento, temperatura, correntes e ondulações. Todo dia o guia desce na água antes para checar. Roupa especial é essencial, assim como o equipamento. Passei menos frio no caiaque que no zodiac, os barcos de cruzeiros. Não é só coragem, é se propor para o novo, confiar na sua capacidade e na expertise de quem faz isso há 29 anos (a Quark é especialista nos Polos). O cheiro do mar (rico em nutrientes é muito diferente), uns podem dizer: ah que cheiro de peixe, mas é o cheiro da natureza local, da Antártida. O silêncio encanta e é um convite a apreciar ainda mais este paraíso. A proximidade com a natureza, o esforço do corpo em que dá vontade de parar de remar e ficar à deriva até alguém resgatar, são compensados pelo: nós fizemos, chegamos e nos superamos. Agora entendi o que o guia falou no primeiro dia: a turma do caiaque é uma família. Você reserva o caiaque ou stand up paddle para a viagem toda e sai duas vezes ao dia, para os mesmos pontos que as expedições. Inesquecível!

Exploração de caiaque entre icebergs (Foto: fotógrafo Quark)

Esqueça aquele turismo luxuoso habitual, o ponto alto aqui é a natureza: beleza abundante que chega a emocionar. As paisagens são indescritíveis, algo que nenhuma lente consegue captar – daquelas coisas da vida que só estando presente para entender. Aliás, presente é uma palavra que pode definir um pouco a sensação de poder visitar a Antártida, vendo toda a grandiosidade e cenário desse lugar tão impactante. Uma experiência que mudará seu modo de viajar e ver o mundo.

Veja nosso vídeo sobre a viagem da Daniela Filomeno pela Antártida!