Antártida: o mais isolado e intrigante continente do mundo

Acompanhe o relato de Daniela Filomeno sobre expedição ao Polo Sul

(Foto: Arquivo Pessoal/Daniela Filomeno)

Inóspito, imprevisível e impressionante, Antártida não está na escolha óbvia de destinos. O continente branco é desconhecido – 99% de seu território é gelo – e pouco explorado, o que o torna mais fascinante. Acompanhe o relato da nossa editora-chefe, Daniela Filomeno, que fez no começo do ano uma expedição ao Polo Sul e conta porque o destino deve estar na sua lista de viagens da vida

Fazer uma expedição na Antártida (ou Antártica) é abraçar o espírito de imprevisibilidade, uma verdadeira aventura. Nada de cruzeiros tradicionais por aqui: mares e clima que parecem mudar na mesma velocidade que os fortes e gelados ventos, típicos do Polo Sul, além disso, uma rica vida marinha que proporciona uma experiência que se assemelha a um safári na neve.

Esqueça aquele turismo luxuoso habitual, o must é a natureza: beleza abundante que chega a emocionar. As paisagens são indescritíveis, algo que nenhuma lente consegue captar – daquelas coisas da vida que só estando presente para entender. Aliás, presente é uma palavra que pode definir um pouco a sensação de poder visitar a Antártida, vendo toda a grandiosidade e cenário desse lugar tão impactante.

A cada época do ano, temporada ou até mesmo viagem a expedição a muda, as paradas são definidas no dia anterior, de acordo com o tempo. A temperatura média no verão é de 0°C, a sensação térmica é ainda menor, por conta da umidade e dos ventos polares, que dão a impressão de estar até a -15°C.

A melhor – e única forma – de explorar a Antártida é de barco, algumas companhias de cruzeiros e outras especialistas em expedições fazem o roteiro, afinal estamos falando do continente mais inóspito do mundo, ou seja, não existe estrutura alguma, fora bases militares e científicas.

O que fazer na Antártida?

Cruzeiro de Zodiac é a base das explorações na Antártida (Foto: Daniela Filomeno)

Admirar a vida marinha, repleta de pinguins, pássaros, espécies de focas e baleias. A fauna local é encantadora, ver a diversidade de espécies e observar o comportamento em seu habitat. Além disso, apreciar a natureza, cercada por montanhas cobertas por neve, glaciares milenares e icebergs gigantes até caminhadas no topo de um vulcão para ver sua cratera. A variedade de atividades por lá é tão grande que não tem como se entediar.

Uma expedição é completamente diferente da outra, além da imprevisibilidade, um passeio pode contar com uma baleia acompanhando a viagem ou uma foca curiosa que passa por baixo do seu barco; já o outro conta com pinguins “surfando” no rastro da água. Você faz as explorações sempre saindo do navio por meio de um zodíaco (tipo de bote) para fazer cruzeiros ou combinado com explorações em terras. A cada momento uma surpresa: muda a paisagem, a vida animal, o cenário. É impressionante como uma expedição é muito diferente da outra – isso porque fizemos 10 diferentes. Não tem como escolher a melhor, cada uma foi especial ao seu modo. Com muitas regras de visitação e uma série de restrições, passadas e repassadas em briefings e palestras diárias.

O que ver?

Visitar o Polo Sul é um verdadeiro safári na neve (Foto: Daniela Filomeno)

Paisagens de gelo: a grandeza dos icebergs fascina. Para onde eles vão? Como se formam? Alguns podem estar flutuando por mil anos. A vida de um iceberg, após a erosão de um Glaciar, é derreter (começa pela parte de baixo e vai virando, até terminar por completo). A correnteza e os ventos ajudam na sua viagem pelo oceano, alguns encalham e ficam muito tempo no mesmo local, afinal, as águas da Antártida tem temperatura de 0°C no verão (no inverno uma grossa camada de gelo firma no seu topo, já que o mar congela em torno de -1°C). Navegar entre eles é uma experiência inesquecível. Alguns lugares, como Pleneau Plateau é um ponto obrigatório para visitar.

Glaciares milenares encantam na Antártida (Foto: Daniela Filomeno)

Vida animal: observar colônias de pinguins é sem dúvida um dos pontos altos da expedição pelo gélido e inóspito continente da Antártida. Regras de visitação são mega restritas, já que nós que estamos entrando no ambiente dos bichinhos e eles não sabem as regras de convivência – e vira e mexe se aproximam ou entram no caminho delimitado para a exploração. Tempo de permanência, limitação de visitação, regras e mais recomendações sempre bem-vindas – já que estamos em uma exploração. Diariamente a equipe recapitula e passa um briefing para que ninguém se esqueça de nada, além de folders com explicações sobre as espécies. Você verá os pinguins tanto dentro do zodiac (os botes que usam para as explorações) quanto nas paradas em terra, onde fará caminhadas. Dependendo da colônia, poderá encontrar as riscas, que são as highways por onde se locomovem com mais rapidez – é demais observá-los deslizando. Curiosidade: 80/90% da vida dos pinguins é nos oceanos e o restante em terra firme, apenas para botar seus ovos e mantê-los quentes. Em terra, no verão, também trocam suas penas (o tempo que passam no oceano, sal, gelo e pedras de gelo danificam) e são necessárias duas semanas para renová-las, elas caem aos poucos para manter o calor e isso acontece no verão. Uma experiência que vai ficar para sempre na memória, incrível.

Caminhada entre colônias de pinguim é uma das mais emocionantes explorações na Antártida (Foto: Daniela Filomeno)

Baleias acompanham as expedições de cruzeiros entre os Icebergs e aparecem a todo o momento em volta do navio. Muitas se exibem em grandes saltos, um verdadeiro show para todos à bordo. A cada aparição, o alto-falante do navio anuncia a espécie e onde poderá avistá-la. Umas das diversões da expedição. Vimos muitas famílias de baleias Jubartes e de Orcas, que na verdade são da família dos golfinhos, não baleias.

Daniela Filomeno pertinho de uma colônia de pinguins em uma viagem que definiu como “uma das melhores da vida” (Foto: arquivo pessoal)

Somente foca são seis diferentes espécies, que muitas vezes convivem juntas – outras nem tanto, como é o caso da foca leopardo, maior predador das gélidas águas da Antártida (muitos pensam que são as Orcas). No final da temporada de verão é possível encontrar também as ‘focas peludas’ (fur seal), impressionante!

Nosso roteiro

O nosso começou a exploração a partir da Ilha King George, na Antártida, local que abriga uma base militar chilena e muitas bases científicas de vários países. A expedição foi de 8 dias (6 a bordo), “pulando” com um voo de duas horas o temido Estreio de Drake, que liga o extremo sul do nosso continente à Antártida. Conhecida por ser uma das travessias mais difíceis do mundo, não é todo mundo que quer/ consegue encarar estes 1,5 a 2 dias de navegação com o mar batendo a partir do Ushuaia, na Argentina. Por isso existe está opção “fly the Drake”, que decola de Punta Arenas, na Patagônia Chilena, rumo a ilha King George. Já está na minha lista de desejos cruzar o Drake rumo às Ilhas Malvinas (Falklands) e Geórgia do Sul, que é riquíssima em vida marinha.

Ao pousar na ilha King George, uma caminhada de 2km para chegar à costa e pegar o zodiac (barco) para chegar ao navio. Exploramos a Antártida no World Explorer, no mais novo navio da Quark Expeditions. Zarpamos de King George Island e começamos a aventura cruzando o Canal de Bransfield. Leia mais da minha experiência aqui.

Se reparar, verá o navio entre os gigantes icebergs (Foto: Daniela Filomeno)
A grandeza dos icebergs na Antártida (Foto: Daniela Filomeno)TBC
Sabia que é possível esquiar na Antártida? (Foto: Daniela Filomeno)

TBC

Chegar um dia antes em Punta Arenas mostra um pouco da aventura que está por vir, afinal, toda a concentração e briefing é feita em compasso de espera. O tempo está favorável para voar, o voo é liberado. Isso pode acontecer durante a madrugada ou bem cedo de manhã, todos ficam literalmente em stand by. Uma prévia de horário é dada antes de dormir e na manhã seguinte tudo é reconfirmado. A ansiedade aumenta, mas é recompensada ao avistar o continente da Antártida.

Caso a condição climática não permitir, a expedição tenta sair por três dias com o avião, o que pode diminuir um pouco o tempo de viagem. No pior dos casos, ainda que com pouca probabilidade, de não conseguir decolar, o valor integral do pacote terrestre é devolvido (exclui passagens aéreas).

Crise climática e a importância do continente branco

Ao visitar a Antártida é absolutamente natural se questionar e dar atenção às mudanças climáticas. Ainda mais em um cenário de aquecimento global de 2ºC, que elevaria o nível do mar em cinco metros ou mais nos próximos séculos. Cidades costeiras sofreriam este impacto imediato. Se conseguirmos manter o limite a 1,5ºC, o impacto será menor, com aumento de um metro do nível do mar, mas o cenário ainda não continua otimista, as previsões estão em 1,7ºC.

Na Antártida o impacto é visível na Península, muitos dias com termômetros marcando acima de 0°C, mais chuvas e derretimento do gelo. Além de um mar mais turbulento e provocando um maior aquecimento da superfície próxima e das costas. A vida marinha também é afetada, com mudanças de padrões de comportamento e possibilidade de introdução de novas espécies não nativas.

A comunidade científica não tem medido esforços e dedicação para prover informações da atual crise climática e projeções que possam influenciar governos a mudarem suas políticas em prol do ambiente.

Um dos legados é o Tratado da Antártida, assinado há 60 anos entre 54 países, que não só protege o continente do Polo Sul, como promove um trabalho de estudo científico colaborativo. Sem governo ou “donos”, a Antártida tem sido pautada por este tratado mostrando que – em prol do bem comum e das próximas gerações – barreiras comerciais e políticas podem ser colocadas de lado e um trabalho estratégico seja feito.

Daniela Filomeno na Antártida (Foto: acervo pessoal)
Daniela Filomeno na Antártida (Foto: acervo pessoal)