Turismo na terceira idade: idosos buscam novas amizades e segurança na hora de viajar
Seja em roteiros nacionais ou internacionais, indivíduos acima dos 60 anos procuram novos vínculos e compartilham experiências em grupos do Facebook
Desde que as regras por conta da pandemia de Covid-19 foram flexibilizadas, Nadir Ribeiro Gomes já viajou para diversos cantos do país sozinha. Moradora de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, ela já desembarcou nos últimos meses em Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Búzios, Cabo Frio e Arraial do Cabo, apenas para listar alguns destinos.
No começo de julho foi a vez de conhecer Foz do Iguaçu, a Argentina e o Paraguai junto de uma excursão, quando chegou a enfrentar 3°C ao lado das grandes quedas das Cataratas.
E engana-se quem pensa que a idade é um fator que atrapalha suas andanças. Aos 71 anos, ela quer mais. “Tenho muita vontade de conhecer a África do Sul e de fazer cruzeiros. Tinha programado uma viagem para Cascais, em Portugal, antes da pandemia, mas tive de mudar os planos”, conta a aposentada.
Tem muita gente que chega numa certa idade e acha que o mundo acabou. Que nada, agora que temos de aproveitar a vida, viajar para mim é saúde
Nadir Gomes
Viajar também é uma das paixões de Carmem Dolores, moradora de Cabo Frio, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro. Hoje viúva, ela trabalhou por 57 anos e descobriu a paixão por intercâmbios culturais que aliam passeios quando o marido ainda estava vivo. A primeira experiência foi em 2018 em Bournemouth, no sul da Inglaterra, quando ainda esticou a viagem para conhecer Liverpool.
Atualmente, a também aposentada acumula uma bagagem que inclui Playa del Carmen, no México, onde mergulhou nos cenotes e se aventurou nas ruínas maias, e Newcastle, na Inglaterra, viagem que teve parada de um dia na Escócia.
Aos 75 anos, Carmem ainda vai para Malta em setembro deste ano e planeja aterrissar em Toronto, no Canadá, em 2023.
“Tem pessoas que gostam de colecionar objetos, ou amam teatro e cinema. Eu gosto de viajar. Há até uma síndrome chamada de Síndrome de Wanderlust, que é uma obsessão por viajar”, cita Carmem.
Nadir e Carmem são exemplos da leva de viajantes que movimenta o turismo na terceira idade. Após se aposentar e juntar dinheiro, elas têm conhecido vários lugares e aproveitado diferentes oportunidades, seja a sós ou em grupo.
Ambas integram um filão da população brasileira que tende a aumentar nos próximos anos. Em 2060, um quarto da população deverá ter mais de 65 anos, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em 2021, dos cerca de 210 milhões de habitantes do país, 37,7 milhões possuíam 60 anos ou mais, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Novas amizades e incentivos
Além do amor por viagens, Nadir e Carmem também possuem outro traço em comum: as duas participam de um grupo público no Facebook sobre viagens na terceira idade.
Chamado de “Viagem Terceira Idade“, conta atualmente com mais de 66 mil integrantes e, como o nome anuncia, é composto por pessoas com mais de 60 anos que possuem interesse em viajar.
Criado há seis anos por Erica Roberta, funciona como um espaço aberto para compartilhamento de experiências e os usuários são bastante ativos.
“A maioria das pessoas quer fazer amizades. O principal objetivo é que as pessoas que estão aposentadas busquem amizades. Elas querem criar um vínculo para não viajarem sozinhas”, diz Erica, que continua como administradora da página.
Moradora de Santa Luzia, na região metropolitana de Belo Horizonte, ela conta que o grupo tinha pouco mais de mil pessoas antes da pandemia. Após março de 2020, com as fronteiras fechadas e os idosos em casa, o número disparou: ela chegou a receber mais de mil solicitações para participar do grupo em poucos dias.
Entre os membros, 95% do número total é composto por mulheres. Ao rolar o feed, é fácil encontrar fotos e relatos de aposentadas e viúvas em viagens ao redor do mundo, além de diversos comentários sobre fazer novas amizades.
“Tenho muita vontade de conhecer outras culturas, amo muito. Em todos os lugares que vou também faço muitas amizades”, relata Nadir Gomes. Assim como ela, Carmem Dolores também é ativa na página e recorrentemente publica suas andanças pelos intercâmbios.
Elas comentam em posts de colegas virtuais e, com as próprias publicações, têm por objetivo incentivar outras mulheres da mesma faixa etária a viajar.
“Publiquei meus intercâmbios justamente para incentivar as pessoas que têm medo de viajar sozinhas, que têm medo de andar de avião. Tem gente que possui uma condição financeira boa mas fica em casa”, menciona Carmem Dolores.
Como parte de seu trabalho, Erica, a administradora da página, organiza viagens e anuncia pacotes no próprio grupo. O primeiro encontro com integrantes do “Viagem Terceira Idade” ocorreu em fevereiro em um resort nas imediações de Belo Horizonte.
O próximo evento será em agosto em Caldas Novas, município em Goiás famoso por suas águas termais. Erica organiza o encontro, vende pacote com hotel (que já possui estrutura e atividades voltadas à terceira idade), programação e translado.
A única parte que fica por conta dos viajantes é o transporte até o destino, seja aéreo ou rodoviário, quando se deslocam sozinhos para encontrar o grupo. Assim, as viagens não são excursões, mas sim encontros em um determinado hotel com indivíduos de faixa etária semelhante.
“Abro um grupo de WhatsApp para as pessoas irem interagindo e conhecendo os colegas antes, o que afina a relação das pessoas antes da viagem”, explica Erica.
Agências especializadas
A criação de novos vínculos não fica restrita a apenas a interação de indivíduos nas redes sociais. Agências de turismo especializadas realizam viagens coletivas justamente por esta característica ser uma das principais no turismo na terceira idade.
“A grande maioria é o aposentado, que guardou um dinheiro e chegou num momento que quer aproveitar a vida. Eles viajam bastante e querem encontrar pessoas que estão na mesma sintonia. O próprio grupo é um dos pontos que procuram na hora de viajar”, relata Rodrigo Pastore, diretor da Pastore Turismo.
Fundada em 1992 pelo pai, Maurício Pastore, a operadora de turismo paulistana atuava antes no segmento de viagens de formatura para jovens. Em 2008, devido à concorrência de um nicho monopolizado, Maurício fez o contrário: se especializou em viagens em grupo nacionais e internacionais para a terceira idade.
Hoje, as excursões são compostas majoritariamente por mulheres na faixa dos 50 aos 70 anos. “Muitas delas são viúvas. Muitos filhos até entram em contato para que a mãe ou pai viaje. Essa modalidade de grupo faz com que a terceira idade tenha mais contato com outras pessoas que estão vivendo talvez uma realidade semelhante”, explica Rodrigo Pastore.
Todos os pacotes da Pastore incluem o acompanhamento de um representante da empresa, e, na maioria das vezes, o próprio fundador está junto. Além disso, guias cadastrados nos destinos também auxiliam a excursão.
O mesmo ocorre com a Donato Viagens, agência que está há 25 anos no mercado e atua com viagens de pessoas em sua maioria acima dos 70 anos e grupos de amigos. Fundada pelo casal de médicos Qmal e Suely Donato, a empresa já nasceu com esse mote: o de reunir amigos para viajar.
A convivência é muito importante para que a experiência seja completa. Pessoas que não se conheciam formam um vínculo que, no fim da viagem, parece até que se conheciam faz tempo
Fabiana Donato
Com saídas principalmente internacionais – as nacionais são mais específicas, como cruzeiros fluviais no Rio Negro -, as mulheres também são a maioria das integrantes desses grupos, muitas são viúvas ou até casadas que viajam recorrentemente sem os maridos.
“Quando falamos de terceira idade não nos referimos a pessoas que não conseguem andar ou que não caminham. Hoje temos uma terceira idade muito ativa, que se cuida, que faz ginástica”, diz Fabiana. A liberdade de viajar sem medos ou sem estar ao lado de parentes também é citada pela profissional.
“Eles estão na melhor fase da vida e querem aproveitar. Essas pessoas, em sua maioria, dependiam dos filhos para viajar, principalmente quando são senhoras viúvas, que depois que perdem o marido acabam dependendo dos filhos para fazer as programações. Quando viajam com a gente, elas entendem essa liberdade de ir e vir sem ninguém”, completa.
As viagens são sempre acompanhadas por alguém da empresa que passa confiança e está preparada para administrar diferentes imprevistos, além de guias locais ajudarem nos trajetos. Segundo a sócia, o público idoso que viaja com a empresa procura primeiro a segurança, em que prezam pelo conforto.
“Buscam ter o conforto de não se preocupar com nada na viagem. A pessoa se preocupa em fazer a mala, o resto é com a gente. Isso faz com que eu tenha uma alta recorrência de volta e um alto índice de indicações”, revela.
Cuidados na hora de viajar
Por se tratar de indivíduos acima dos 60 anos, alguns cuidados são fundamentais na hora de planejar e realizar as viagens.
Além dos acompanhamentos especializados e da confiabilidade transmitida pelas agências, a atenção se debruça também nos deslocamentos, com a escolha das cidades, dos hotéis e com as paradas. Adaptações então são feitas no roteiro.
“Quando vamos para a Patagônia, por exemplo, e visitamos um parque repleto de caminhadas e trekking, não deixamos de fazê-lo, mas o adaptamos. As caminhadas que outras pessoas fazem em um dia, nós fazemos de carro ou de barco, e chegamos no mesmo destino mas de uma maneira adaptada para o meu público”, diz Fabiana Donato.
Ela ainda relata que a empresa não escolhe quartos de hotéis com banheiras, principalmente na Europa. “Checamos o banheiro, os deslocamentos não podem ser entre cidades muito distantes uma da outra e sempre há paradas. Parada de banheiro é algo que sempre nos organizamos”, conta a profissional.
Os guias e acompanhantes também não se locomovem de maneira apressada e audioguias são usados para dar uma liberdade maior às pessoas que não estão próximas do grupo o tempo todo.
Os ônibus contratados devem ter sistema de rebaixamento, para que o degrau não seja tão alto. Na Pastore, as viagens rodoviárias, principalmente nacionais, sempre são na categoria de leito luxo, com água mineral à vontade e kit lanche.
“Os passeios não podem ter duração muito longa, fazemos uma programação mais diurna, mas também temos experiências à noite, em que vamos mesclando tudo que sentimos que é importante para eles”, afirma Fabiana.
A escolha da época da viagem também é significativa: o público prefere viajar na primavera e no outono, evitando o alto verão ou o alto inverno.
Falta de acessibilidade
A acessibilidade, porém, ainda é uma questão que deve ser olhada com mais zelo pelos destinos. “Alguns hotéis não possuem corrimão no box do banheiro para apoiar. Não têm tapete ou os tapetes não são antiderrapantes. Algumas piscinas têm corrimão solto”, descreve Rodrigo Pastore.
O diretor da Pastore Turismo também elenca que em determinadas situações falta um atendimento mais humanizado, principalmente na correria das grandes cidades. “Na terceira idade, por exemplo, temos que ter muita paciência. Deve-se ter um atendimento diferenciado”, explica.
Em vista disso, o Ministério do Turismo desenvolveu uma cartilha com dicas para atender melhor turistas idosos, feita em parceria com o Ministério da Justiça e Cidadania e o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso. Lançado em 2016, o material é composto de informações e orientações para melhorar a qualidade dos produtos e serviços turísticos oferecidos aos viajantes com mais de 60 anos.
De acordo com o texto, o tratamento dos prestadores de serviço deve ser amável, compreensivo e respeitoso, e os profissionais devem estar atentos às necessidades especiais dos viajantes para oferecer o auxílio adequado nas atividades turísticas.
Sinalização com cores fortes, implantação de barras para apoio em banheiros e a instalação de rampas e elevadores faz parte das recomendações de infraestrutura dos estabelecimentos para melhor atender este público.
Destinos mais procurados
Segundo levantamento da Decolar compartilhado com o CNN Viagem & Gastronomia, o público da terceira idade possui preferência por locais que proporcionam relaxamento e que possuem programação de lazer variadas, como atividades gastronômicas e culturais.
De acordo com os dados mais recentes, de abril deste ano, o destino nacional mais procurado é Águas de Lindóia, município de São Paulo que faz parte do circuito das águas e é conhecido como a Capital Termal do Brasil. Relativamente próxima à capital e à cidade de Campinas, a cidade possui cerca de 30 hotéis que, juntos, acomodam aproximadamente cinco mil pessoas.
Monte Verde, no extremo sul de Minas Gerais, aparece em segundo lugar no ranking, que foi realizado com base na procura por hospedagens nos canais de venda (site e aplicativo) da companhia. Pequeno distrito de Camanducaia, Monte Verde foi escolhida como o destino mais acolhedor do Brasil pelos usuários da plataforma Booking.com e é famoso pelo clima ameno e pelas atividades ao ar livre.
Já entre os destinos internacionais, Fátima, em Portugal, e Florença, na Itália, lideram o levantamento respectivamente. Dotadas de cultura, as cidades reforçam as buscas também pelo público que viaja com a Pastore Turismo.
De acordo com o diretor Rodrigo Pastore, Portugal e Itália são os destinos mais procurados fora do país pelos viajantes da empresa.
“De longe eles disparam na frente dos outros países. Depois vem Espanha e majoritariamente países da Europa. Mas sempre tem um pessoal mais ‘descolado’, digamos assim, que tem outras preferências, que procuram por Cazaquistão e Marrocos, por exemplo”, revela.
A Donato Viagens trabalha com o mundo todo, mas percebeu uma diferença com o passar do tempo. Antes, quando foi criada, a agência trabalhava muito com os Estados Unidos e Europa. Hoje, a América do Norte é pouco requisitada pelos viajantes da empresa, e a procura pela Europa também se expande para a Ásia e Ásia Central.
Pelas características continentais, o Brasil oferece diferentes serviços e preferências. Na Pastore, os três destinos mais procurados em território nacional se baseiam no sul de Minas Gerais, no norte de São Paulo e nos estados do Nordeste.
“A terceira idade gosta bastante de resorts all inclusive. Não necessariamente a cidade precisa ser cheia de pontos turísticos, mas o resort deve ser muito bem estruturado”, descreve Rodrigo. Café da manhã, almoço, jantar, ceia, equipe de monitoria, programação recheada de atividades fazem a diferença e são detalhes buscados pelos viajantes.
Já o valor dos pacotes varia de acordo com o destino, o roteiro e os serviços. De acordo com Fabiana Donato, quanto mais serviços, mais cara fica uma viagem.
“A terceira idade é mais exigente, vai pelo custo-benefício. Se for gastar um dinheiro a mais, eles vão gastar, mas em paralelo vão ter conforto, um resort all inclusive, uma cama boa, uma monitoria boa, um acompanhamento da agência”, fala Rodrigo Pastore.
Na agência tocada por ele e o pai, o pacote de uma viagem perto de São Paulo sai, em média, R$ 3 mil. Para o Nordeste o número pula para R$ 5 mil a R$ 6 mil, podendo ser mais caro atualmente por conta da alta dos preços do transporte aéreo.
Já os pacotes internacionais saem, em média, por volta de R$20 mil a R$25 mil. Na Donato, um pacote para Provence, Avignon e Lyon, na França, que será feita em agosto, pode sair por cerca de R$ 40 mil a parte terrestre.
A seguir, confira os 7 destinos nacionais e internacionais mais procurados pelos viajantes da terceira idade de acordo com o levantamento da Decolar realizado nos canais de venda da empresa em abril deste ano:
Destinos nacionais
- Águas de Lindóia (SP)
- Monte Verde (MG)
- Holambra (SP)
- Natal (RN)
- Salvador (BA)
- Caldas Novas (GO)
- Gramado (RS)
Destinos internacionais
- Fátima (Portugal)
- Florença (Itália)
- Viena (Áustria)
- Paris (França)
- Buenos Aires (Argentina)
- Sevilla (Espanha)
- Orlando (Estados Unidos)
