Como a Itália enfrenta a ausência de turistas e as perdas bilionárias do setor

A Confederação Italiana das Empresas informou que 70% dos hotéis em cidades como Roma e Florença e 20% nas áreas costeiras não reabriram após o confinamento

Maria Pasquale*,

da CNN

Pessoas caminhando de máscara em frente a ponto turístico
Falta de turistas preocupa a economia italiana
Foto: Reuters

Por um breve período, o verão italiano ofereceu um lampejo de esperança. Depois de superar parcialmente os acontecimentos do início de 2020 — no qual o país implantou um dos mais severos bloqueios por causa da pandemia no mundo — a Itália conseguiu se arrumar a tempo de receber os visitantes do verão, iniciado em junho.

Mas, à medida que as temperaturas vão descendo, também esfriam as esperanças de uma recuperação completa para a temporada de turismo de 2020 na Itália. O inverno está chegando e, com ele, o que se espera seja uma catástrofe econômica total.

Como muitos outros governos no mundo, o da Itália tem distribuído dinheiro para apoiar muitas empresas e indivíduos em dificuldades. Mesmo assim, as várias restrições de viagens globais ainda em vigor resultaram em queda de receitas, abrindo um buraco financeiro no setor de turismo que agora precisa ser preenchido.

“Precisamos de turistas para continuar”, disse Cassandra Santoro, CEO e fundadora do serviço de planejamento de viagens Travel Italian Style. “Nossos guias, motoristas e trabalhadores, do Piemonte à Sicília, que pensavam que ficariam sem trabalho por uma temporada, agora estão buscando outros empregos e fontes de renda”.

Quem visitou a Itália em agosto teve ter pensado que quase tudo voltou ao normal, exceto pelas máscaras e pelo distanciamento social. Culturalmente estabelecido como um mês de férias para os italianos, agosto trouxe para muitos locais uma pausa, conquistada com dificuldade, da melhor maneira possível.

Mas, mesmo com 60% dos italianos conseguindo tirar uma folga para viajar — quase todos dentro da própria Itália — e com o afluxo de alguns visitantes do norte da Europa, a previsão continua péssima.

“A perda projetada para 2020 com visitantes estrangeiros na Itália é de € 24,6 bilhões (mais de R$ 155 bilhões) e até mesmo os gastos dos viajantes domésticos caíram € 43,6 bilhões (R$ 275 bilhões)”, relatou Giorgio Palmucci, presidente do Conselho Nacional de Turismo da Itália, o ENIT.

Para Palmucci, mesmo com a esperança de crescimento e recuperação daqui a dois anos, a perda provavelmente será generalizada.

“Espera-se que todas as cidades italianas sofram um impacto significativo, especialmente aquelas mais dependentes de visitantes internacionais, como Veneza, Florença e Roma”.

Um setor em risco

Turistas usando máscaras em Roma
Muitos turistas estrangeiros ficaram longe da Itália este ano.
Foto: Remo Casilli/Reuters

Para piorar o quadro, houve um aumento de casos de Covid-19 atribuídos ao movimento de jovens italianos, tanto além das fronteiras para países como Croácia, Grécia e Malta, quanto para locais de diversão noturna no verão dentro do próprio país. Os aumentos diários são menores do que os da França e da Espanha, mas os italianos estão nervosos com a aproximação do inverno.

Os temores de uma segunda onda parecem ter frustrado as projeções anteriores de um renascimento do turismo em setembro e outubro, com italianos e visitantes estrangeiros cancelando planos e aguardando os próximos acontecimentos.

Hoje, os empresários do setor acham que a conversa do governo sobre o renascimento do verão italiano para incentivar o turismo doméstico foi apenas retórica. Segundo eles, o otimismo desenfreado, casado com imagens de praias italianas lotadas para o popular feriado nacional de dia 15 de agosto, o ferragosto, foram uma cortina de fumaça para uma indústria à beira do colapso.

As estatísticas certamente pintam um quadro mais feio. A Confederação Italiana das Empresas informou que 70% dos hotéis em cidades como Roma e Florença e 20% nas áreas costeiras não reabriram após o confinamento. O Instituto Nacional Italiano de Estatística diz que 60% das empresas do setor temem um colapso iminente.

A proibição de viagens ainda em curso, que impede os norte-americanos (uma das maiores fontes de turismo da Itália) de entrar no país também está tendo um impacto particularmente brutal.

Força e coragem

Casal de máscara em frente a ponto turístico em Roma
A Itália teve um curto renascimento no turismo doméstico este ano, mas não o suficiente para conter a queda no número de viajantes estrangeiros.
Foto: Manuel Silvestri/Reuters

Cassandra Santoro, da Travel Italian Style, diz que pelo menos 85% de seus clientes são norte-americanos. Em setembro, sua empresa registrou 100% de cancelamentos nas férias 2020. É o primeiro ano em que ela vê lucro zero na empresa.

“Em dezembro de 2019, eu tinha mais de 100 clientes agendados para viajar entre março e setembro de 2020. Reembolsei cerca de 50% dos hóspedes integralmente, e 50% adiaram a viagem para 2021, alguns até 2023 e 2024”,

Como tantos outros, Santoro teve que reinventar seu negócio. Juntamente com os moradores da Costa Amalfitana, onde mora atualmente, a empresária lançou uma série de posts no Instagram, sob as hashtags #LifeBeyondTourism e #AmalfiCoastLocals apresentando negócios que geralmente dependem exclusivamente do turismo.

A empresária conta que, durante as entrevistas, “ouvimos mais de uma vez: ‘Se as fronteiras permanecerem fechadas até o final de 2020, não teremos dinheiro para comprar comida para nossa família por volta de janeiro’. Mesmo assim, os italianos ainda estão otimistas e, no fundo, sabem que isso não durará para sempre. Forza e coraggio são o que a Itália conhece melhor”.

A empresa de turismo gastronômico Casa Mia geralmente programa atividades de comida e vinho sob medida em toda a Itália sem parar entre março a outubro. Não neste ano. Os cancelamentos de clientes norte-americanos começaram a chegar em fevereiro, um primeiro sinal da catastrófica temporada de verão.

“Perdemos 100% de nossas reservas de 2020 em questão de dias”, disse a sócia Eleonora Baldwin. “Durante o verão, houve um afluxo moderado de viajantes europeus, mas um recente aumento nos casos pode desencadear outro lockdown, então os próximos meses são um grande ponto de interrogação”.

Os hotéis enfrentam a mesma incerteza.

Diretor de operações da rede de luxo Rocco Forte Hotels, Maurizio Saccani diz que Roma esteve deserta durante julho e agosto, e a ocupação no famoso Hotel de Russie girou em torno de 15%, em comparação com 87% no mesmo período do ano passado. A inauguração em junho de seu novo Hotel Villa Igiea em Palermo (um projeto de restauração que custou vários milhões de euros) foi transferida para maio de 2021.

Muito pouco, tarde demais

Giorgia Tozzi, gerente geral do Hotel Vilon, um cinco estrelas de Roma, diz que 2020 estava pronto para ser o terceiro e mais promissor ano de negócios da propriedade. Com um recorde de reservas para abril em diante, eles estavam se preparando para o melhor verão até agora.

Em vez disso, em meados de fevereiro, os cancelamentos começaram a chegar, forçando o hotel a fechar. Os negócios começaram a voltar lentamente depois que o hotel reabriu de forma ambiciosa em 3 de junho, inicialmente recebendo viajantes de negócios italianos e, a partir de meados de junho a setembro, viajantes da França, Espanha e norte da Europa.

“Isso nos ajudou a atingir uma ocupação de cerca de 37%, em comparação com mais de 80% no mesmo período do ano passado — decepcionante, mas dado o clima atual, um milagre. Os próximos meses são incertos, mas esperamos ver alguma melhora em relação à primavera de 2021”.

Tozzi permanece otimista.

“Roma, como dizem, é a Cidade Eterna e vai sobreviver. Talvez a sua resiliência e beleza nos deem forças para recomeçar e encontrar um novo turismo normal”.

Mas, embora se fale muito sobre bilhões de estímulos da União Europeia e iniciativas domésticas, muitos empresários dizem que é tarde demais.

Natalino Gisonna, dono do Corso 281 Luxury Suites de Roma, apelou veementemente a um maior apoio do governo italiano.

“A Covid-19 foi um desastre econômico para nosso hotel”, contou. “Entre junho e setembro, recebemos apenas seis hóspedes, da França e do Reino Unido. No mesmo período do ano passado, estávamos com 95% de ocupação. Não acredito que haverá qualquer melhora até a primavera de 2021 e isso só se as fronteiras internacionais forem reabertas”.

Gisonna diz que as medidas do governo para apoiar o setor de turismo até o momento, incluindo o chamado “bônus de férias”, foram ineficazes porque não forneceram fundos desesperadamente necessários para as empresas.

“Dos 2,4 bilhões de euros de estímulo à economia, até agora apenas 200 milhões foram gastos e apenas 8% chegaram a hotéis e clubes de praia. Os recursos não alocados devem ir diretamente para as empresas necessitadas, na forma de isenções fiscais e subsídios, ou muitos não sobreviverão”.

Com as viagens globais em grande parte em pausa durante a pandemia de Covid-19, algumas cidades e empresas veem uma oportunidade de repensar o turismo com a saúde do planeta em mente.

Não são apenas os hotéis urbanos que sofrem. Em ilhas como Ischia e Capri, o turismo em massa é sazonal, e as empresas trabalham muito para garantir que os ganhos do verão garantam o sustento no restante do ano.

Junto com o marido Gianluca D’esposito, Holly Star é dona do Ristorante Michel’angelo e de uma popular escola de culinária em Capri, ilha que costuma receber mais de dois milhões de viajantes anualmente. “Dizer que este verão foi um desafio é um eufemismo, especialmente para pequenas empresas familiares como a nossa”, disse.

Com uma temporada de férias reduzida de sete meses para apenas dois e meio e 80% de sua clientela internacional ausente, Star teve que repensar sua operação.

“Nossa escola de culinária permanece fechada e transformamos nosso negócio para oferecer o envio para outros países de nossa linha de produtos alimentícios. Nos resta a esperança que a situação atual melhore para o lançamento do nosso empreendimento no jardim programado para o próximo ano”.

Turismo sustentável

Michael Sambaldi, diretor-gerente da Pellicano Hotels, afirma que, enquanto a receita de verão na ilha de Ischia, no Golfo de Nápoles, caiu até 50%, a do hotel Mezzatorre Hotel and Spa, que faz parte do grupo, pode isoladamente capitalizar no mercado turístico italiano, com os moradores cada vez mais apreciando a beleza de sua terra natal.

Ele acredita que a situação obrigou as empresas a se tornarem mais hábeis em termos de recursos financeiros e até de marketing, razão pela qual o hotel está participando de uma nova campanha global, Ischia is More (Ischia é mais).

Criada por um consórcio de apaixonados empreendedores locais, a campanha quer posicionar a ilha como um destino dinâmico durante todo o ano, inicialmente apresentando sua história, cultura e beleza usando um canal no Instagram. Em algum momento, ela vai abordar a reinicialização do setor de spa e projetos de turismo sustentável.

O hotel de luxo Regina Isabella é outro membro fundador da iniciativa de Ischia. O CEO Giancarlo Carriero afirma que, embora a temporada de 2020 da ilha tenha sido predominantemente italiana, há esperança de que o turismo internacional se recupere até 2022. Carriero lembra que a pandemia mudou as pessoas e que viagens com significado pessoal e de bem-estar se tornarão prioridade para muitos. Com suas águas termais e paisagens naturais impressionantes, a ilha pode fornecer isso e muito mais.

E assim, embora as perspectivas atuais não sejam boas, essas empresas em Ischia — junto com muitas outras em todo o país — estão determinadas a manter a luta. Talvez o exemplo delas seja o farol de que a Itália precisa para o que será um caminho longo e doloroso.

*Maria Pasquale é uma escritora de culinária e viagens ítalo-australiana que vive em Roma. Autora do livro “I Heart Rome” e fundadora do premiado blog HeartRome, ela também escreve no Instagram em @heartrome.

(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).