Polêmica, a ostra ganha novas versões em bares e restaurantes de São Paulo

O molusco é o ingrediente da vez entre os influencers de gastronomia nas redes sociais e invade os cardápios em criações inusitadas

Ostra com farofa? Sim, no Cais Restaurante
Ostra com farofa? Sim, no Cais Restaurante Divulgação

Fernanda Meneguetticolaboração para o Viagem & Gastronomia

Não tem jeito: feed de foodie tende ao tédio. É um ingrediente fotogênico ou uma receita fetiche que, feito por um foodie-star, logo é replicado por seus pares até viralizar. Já teve o bacon, o carbonara, o negroni, a burrata. Agora chegou a vez da ostra ter post garantido.

A fama “instagramática” tem seus pontos positivos: a pessoa que tinha “alergia” a tentáculos de polvo passa a amar pulpo a la gallega; o fitness ressalta o lado proteico da barriga de porco crocantíssima e defumada; o amargor ganha status de paladar adulto; e, agora é ostra que não poderia estar mais feliz – molusco polêmico e apaixonante, ele está prestes a te conquistar, nem que seja pelo cansaço.

No menu deste verão, se destacam o pastel, o sanduíche, o sushi, a tortilla, o okonomiyaki e as coberturas mirabolantes, tudo feito com ostra.

A começar pelas novidades do Bar Pirajá da Avenida Faria Lima, em São Paulo. O boteco não se contentou em servir ostras in natura e, de sexta a domingo, serve porções defumadas com vinagrete de jiló e gratinadas aos quatro queijos; bisnaguinhas com ostras crocantes, bacon, maionese de pimenta, vinagrete e coentro; um arroz caldoso em que elas contrastam com chorizo espanhol e, de quebra, tem também os pasteizinhos bem recheados.

O chef Marcelo Tanus, responsável pelas criações, diz que “escondê-las” em algo tão sedutor quanto um bom pastel não é artifício para angariar paladares mais resistentes: “É meio óbvio porque é o petisco mais pedido, mas quem tem preconceito nem pede, porque embora ela passe pelo bafo antes de se misturar a um creme de moqueca, ela permanece com a textura de ostra crua”.

Para os preconceituosos mencionados ou haters de plantão, a consistência citada, viscosa para uns, firme e escorregadia para outros, é um baita empecilho. Apesar disso, a aceitação das novas guloseimas, sobretudo o tal do pastelzinho, tem sido bem maior do que a esperada.

Bisnaguinhas com ostras crocantes, bacon e especiarias do Pirajá / Marcela Oliveira/Divulgação

Se o snack é original, a ideia de unir milanesinhas de ostras e pães não é exatamente revolucionária. Pelo menos é o que pode alegar Felipe Bronze. De 2013 para cá, o chef jamais ousou abandonar o seu ostrix: um sandubinha de ostra empanada que fez história no Pipo do Leblon, migrou para o Pipo da Barra da Tijuca (já fechado), prosperou até no duplamente estrelado Oro e, hoje, converteu-se em taquinhos com toque de aioli de algas no Pipo paulistano, restaurante cheio de charme nas costas do Museu da Imagem e do Som.

Ao passo que Felipe trocou os pães pelas tortillas caseiras de trigo para revigorar seu clássico, há quem acabe de enveredar pela combinação. A influencer e restauratrice Renata Vanzetto não escutou suas seguidoras mas as próprias lombrigas para colocar briochinhos de ostra frita, molho agridoce picante, shissô, vegetais limãozentos e maionese em cartaz no Mi.Ado, seu restaurante caçula.

O sanduíche de ostra do Mi.Ado restaurante, criação de Renata Vanzetto / Divulgação

Um acepipe desses nem pareceria arrojado no cardápio do Koya 88, que conta com hits como o sandô de língua. Porém, por lá, depois de algumas tardes bem-sucedidas de open oyster bar, Thiago Maeda avançou na própria audácia e acaba de lançar um okonomiyaki. Sua versão da tradicional panqueca frita japonesa com ostra, bacon de wagyu e kimchi.

Mas talvez nenhuma seja maior do que a ostra nude, sem maquiagem alguma. Especialista no assunto, Bella Masano orgulha-se de, além de chef, ser fazendeira de mariscos: “Há mais de uma década produzimos 30 mil crassostreas gigas (ostra-do-pacífico) a cada mês na Praia do Forte, em Florianópolis. De lá, elas não chegam somente frescas, e sim vivas ao Amadeus, para serem comidas assim, no máximo com uma pontinha de molho americano”.

Ostras frescas do Amadeus são criadas em Santa Catarina/ Divulgação

E sem a pontinha de molho? Um tantão de tinta foi derramado ao longo dos séculos para definir o sabor das ostras: “choque de frescor”, “beijo de mar”, “aroma de maré baixa”. Nos idos do século 16, o ensaísta Michel de Montaigne já assumia ser incapaz de resistir ao deleite desse fruto do mar com sabor de violetas, apesar de recomendações médicas. Quatro séculos mais tarde, o chef americano James Beard costumava dizer que elas eram prazeres supremos que a natureza concedeu ao homem.

Fato é que essa concha excita o paladar e a mente de um jeito que nenhum outro marisco é capaz. Ok, talvez a publicidade (praticamente injustificada) de afrodisíaca contribua. Ou talvez seja o mistério. Diferente das satisfações imediatas na vida, como o chocolate e o sexo, algo no ritual de ingerir (e não enviar goela abaixo) uma ostra, como na leitura de um poema ou no desvendar de um quadro, não garante dopamina instantânea, mas proporciona alegrias.

Ostra com gema de codorna, ovas de ouriço e brotos ao molho ponzu do Kazuo Restaurante/ Divulgação

Se nos países do hemisfério norte é do outono ao fim do inverno que esse molusco traz as maiores felicidades, por aqui, as estações têm pouca influência: “As fazendas não têm sazonalidade, mas em Santa Catarina, como não é uma ostra nativa, mas do Pacífico, às vezes, com a intensidade do verão, há uma mortalidade maior porque ela não está acostumada”, explica Zeca Bezerra, da cooperativa Repescar, na Baía de Todos os Santos.

“Já no Nordeste, às vezes chove tanto que o teor de salinidade da água fica quase zero e elas morrem. Mas é raro e as produções no Brasil costumam ser regulares e só têm aumentado”, complementa o especialista.

Ostras com vinagrete de tamarindo, maça verde, pepino e cebola roxa do Ici Bistrô/ Divulgação

Ou seja, se dá para comer a iguaria o ano todinho, nos dias mais quentes, nada como recorrer às ostras frescas com bloody mary e sorbert de salsão do Gran Bar Bernacca, com tucupi e sagu do Chez Claude São Paulo ou com gema de codorna, ovas de ouriço e brotos ao molho ponzu do Kazuo Restaurante; em duplas com vinagrete de tamarindo, maçã verde, pepino e cebola roxa do Ici Bistrô ou com cítricos e azeite de manjericão do Me Va. Quando os termômetros permitirem, a opção pocheada ao beurre blanc e farofa de brioche do Cais é extremamente recomendável.

Por fim, se menos é mais, Kaori Muranaka aposta no niguiri – uma lembrança dos sushis de amêijoas que comia no Japão – para valorizar o fruto do mar. Mais do que arroz coberto com ostra, por trás do minimalismo da chef do Quito Quito Izakaya há uma produção trabalhosa: “Primeiro você cozinha com saquê, shoyu, saquê mirin e açúcar sem deixar ferver. Depois, deixa ela esfriar dentro do caldo. Aí tira a ostra e reduz o caldo com mais shoyu e açúcar para formar um tarê bem grosso. Tarê tem muito sabor de ostra e serve para pincelar ela”.

O item mais instagramado do Izakaya pode até arrancar resmungos dos mais puristas. Contudo, mundo afora, credita-se à popularidade da cozinha japonesa o incentivo ao ato de se abrir uma concha e levar seu bichinho diretamente à boca. Vai daí que, se a tese tem fundamento, nada mais lógico que, por aqui, berço do rodízio de sushis e sashimis, junte-se uma coisa com a outra, não é mesmo?

Simples, com azeite de manjericão no Me Va, em São Paulo/ Raul da Mota/Divulgação
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