Era uma vez na Itália…. o Negroni

Por Artur Tavares

A história do Negroni, coquetel centenário que ainda é o preferido em bares de todo o planeta

Negroni

Durante o século 19, avanços na medicina e na química popularizaram as destilações de ervas em álcoois ou em vinhos, dando origens aos amaros e aos vermutes. Utilizadas principalmente como digestivos, mas também receitadas para as mais diferentes mazelas cotidianas – de dor de cabeça à insônia –, essas bebidas de sabores marcantes acabaram se tornando as bases dos primeiros coquetéis, clássicos que existem até hoje.

Decidido a revolucionar o mercado da época, o empresário Gaspare Campari inaugurava em 1862 seu Caffe Camparino em frente à Igreja Duomo, em Milão. Renomado bartender desde os 14 anos, ele já se aventurava na produção de amaros há duas décadas quando aproveitou a abertura de seu novo ponto para lançar uma bebida diferente, uma mistura até hoje secreta de mais de 60 botânicos, e que leva seu nome. Misturando Campari ao amaro Coda, fabricado em Turim, ele criou o Milano-Torino.

O Milano-Torino foi hit instantâneo, que conquistou não só os corações italianos, como também dos negociantes americanos que atravessavam o Atlântico em busca de oportunidades no Velho Mundo. Não se sabe quem foi o primeiro a pedir para Gaspare Campari acrescentar um splash de água gaseificada no coquetel, mas estava criado o Americano.

Na mesma época, as navegações coloniais forçavam os tripulantes a recorrerem a destilados, como o uísque e o gim, como maneira de se hidratar. Pode parecer mentira, mas naquela época não havia saneamento como conhecemos hoje, e por isso as bebidas alcoólicas eram as melhores alternativas à água. Com bastante tempo livre em alto mar ou em terra, não é de se imaginar que cada navegante era um bebedor em potencial, e que muitos deles eram criativos.

De volta a Florença após uma viagem de negócios bem-sucedida a Londres, em 1919, o conde Camillo Negroni correu para seu bar favorito na cidade, o Caffè Casoni, para comemorar. “Troque a club soda por gim”, ordenou ao bartender Fosco Scarselli. Dele veio a malícia de substituir a casca de limão do Americano por uma de laranja. Fascinados pelo perfume do zimbro e dos botânicos do gim, cada vez mais clientes iam ao Casoni para beber “o coquetel do conde Negroni”. Nascia o drinque mais emblemático do planeta.

Ou pode não ter sido assim…

Integrantes vivos da família Negroni têm uma versão diferente para a criação da bebida por um de seus familiares. Coronel da aeronáutica porto-riquenha e historiador, Héctor Andrés Negroni diz que não há nenhum Camillo Negroni em sua árvore genealógica, traçada desde o século 11. Ele sustenta – inclusive com cartas e outros documentos da época – que o coquetel foi inventado pelo conde francês Pascal Olivier de Negroni para sua esposa, enquanto ele administrava uma fábrica de tecidos que fornecia roupas para o exército durante a Guerra Franco-Prussiana, e que o drinque logo se tornou coqueluche na elite colonial francesa no país.

É difícil definir a verdadeira história do Negroni, porque a lenda do conde Camillo Negroni vem sendo difundida há muito mais tempo que as afirmações de seu parente contemporâneo. As primeiras receitas do drinque em livros dedicados à coquetelaria datam de um período entre 1949 e 1955, e mesmo assim há variações na tradicional medida de três partes iguais de gim, vermute e Campari que ficou estabelecida e é adorada no mundo todo até hoje.

Seja como for, os amantes da coquetelaria em todo o planeta celebram em 2019 a história do conde Negroni, uma pedra fundamental na coquetelaria clássica e atual. Simples no preparo e de sabores tão complexos, o Negroni comemora neste ano, com certeza, apenas o primeiro de muitos centenários.

Negroni
Um clássico Negroni (Foto: Shutterstock)

 

O Negroni e suas variações

Negroni

30 ml de gim

30 ml de Campari

30 ml de vermute rosso

Modo de preparo: resfrie uma coqueteleira e misture os três ingredientes. Sirva em um copo Old Fashioned com gelo, e finalize com um dash e um twist de laranja.

Milano Torino

60 ml de Campari

60 ml de vermute rosso

Modo de preparo: assim como no Negroni, resfrie uma coqueteleira e misture os ingredientes. Sirva em um copo Old Fashioned com gelo, mas desta vez finalize com uma fatia de laranja.

 

Americano

60 ml de Campari

60 ml de vermute rosso

Completar com club soda

Modo de preparo: preparado como o Milano Torino, o Americano deve ser servido em um copo Collins com gelo, e também finalizado com uma fatia de laranja.

Negroni Spumante

30 ml de gim

30 ml de Campari

30 ml de vermute rosso

Completar com espumante

Modo de preparo: uma variação interessante do Negroni, ele adiciona uma pequena quantidade de espumante, ou champanhe brut, na finalização dos ingredientes, no copo Old Fashioned. Finalize com um dash e um twist de laranja.

 

Cardinale

30 ml de gim

30 ml de Campari

30 ml de vermute dry

Modo de preparo: assim como o Negroni, misture as três partes iguais, sirva em um copo com gelo e finalize com um dash e um twist de laranja.

 

Negroni Sbagliato

30 ml de espumante

30 ml de Campari

30 ml de vermute rosso

Modo de preparo: como um Negroni comum, mas substituindo o gim por espumante. Finalize com um dash e um twist de laranja.

 

White Negroni

30 ml de gim

30 ml de Suze

30 ml de Lillet

Modo de preparo: um coquetel conceitual, que mantém apenas o gim entre seus ingredientes originais. O vermute rosso e o Campari são substituídos por Suze, um licor de genciana, e Lillet, um aperitivo à base de vinho e licor de frutas. Misture os três ingredientes em um mixer e sirva em um copo com gelo. Finalize com um dash e um twist de grapefruit.


Artur Tavares

Com passagens pela Rolling Stone Brasil, MTV e o programa CQC, da TV Bandeirantes, Artur Tavares hoje é editor das revistas Carbono Uomo e Corriere Fasano. Não é bem um especialista em bebidas, mas é ótimo de copo.