Giro d’Itália chega ao Brasil, atrai turistas e movimenta milhões em Campos do Jordão

Versão brasileira ocorre no dia 3 de abril, com percurso desafiador nas montanhas e mais de R$ 10 milhões em impactos econômicos na economia local; contrato garante 5 anos de evento no país

Ciclistas da elite em uma das etapas do Giro d’Itália, competição que tem 21 dias e premia com a camisa rosa – Maglia Rosa - o grande vencedor da classificação geral
Ciclistas da elite em uma das etapas do Giro d’Itália, competição que tem 21 dias e premia com a camisa rosa – Maglia Rosa - o grande vencedor da classificação geral Divulgação/Giro d'Itália Ride Like a Pro

Talis Mauricioda CNN

São Paulo

O Brasil será palco, em abril deste ano, de uma réplica de um dos maiores eventos do ciclismo de estrada do mundo: o Giro d’Itália. A tradicional competição tem 21 dias, reúne os melhores em atividade e ocorre obrigatoriamente na Itália -, mas o Brasil também terá uma réplica da etapa do Giro reproduzida em solo brasileiro, numa prova de um único dia.

É o chamado Giro d’Itália Ride Like a Pro, modalidade que reúne atletas amadores em busca de experiências similares àquelas vivenciadas pelos atletas da elite do ciclismo mundial.

Por aqui, o evento será realizado em Campos do Jordão, em São Paulo, cidade que possui montanhas, paisagens e características de percurso semelhantes às encontradas na Itália.

Além do Giro, o Tour de France, outro grande evento ciclístico mundial, também possui produto equivalente, o L’étape do Tour, com provas consolidadas e realizadas em diversas cidades do mundo, atraindo milhares de fãs.

Com relação ao Giro d’Itália, o Brasil largou na frente e é o segundo país a ter uma etapa réplica da competição. Antes, só mesmo Xangai, na China, em 2019 e 2020. O sócio-diretor do projeto no país, Fábio Oliveira, conta que a pandemia atrapalhou o processo de implantação.

“Em 2019 houve a primeira rodada de negociações [com os detentores da marca, a RCS Sports]. Só que aí teve início a pandemia e só, recentemente, voltamos a negociar. Acabou dando certo para este ano. O projeto de expansão do produto envolve incluir cidades como Londres, na Inglaterra, e Miami, nos Estados Unidos. Aqui no Brasil o contrato garante o evento por pelo menos 5 anos”.

O investimento, mesmo o Brasil não tendo tradição no ciclismo de estrada, se deve ao crescimento da prática do esporte no país. Em 2020, auge da pandemia da Covid-19, números divulgados pela Associação Brasileira do Setor de Bicicletas, a Aliança Bike, indicavam inédita expansão na venda de bicicletas.

Entre os motivos estavam o fechamento de academias e demais atividades indoor, por medidas de segurança contra o vírus, aliada à expansão de atividades físicas ao ar livre, entre elas o ciclismo. Dados mais recentes da Aliança Bike apontam uma alta de 34% nas vendas de bikes no primeiro semestre de 2021, em comparação ao mesmo período de 2020.

“O nosso Giro d’Itália brasileiro, mesmo com inscrições limitadas a 2.500 participantes, já conta com quase 1.500 inscritos. Mal anunciamos o evento e já contávamos com parceiros patrocinadores. É um esporte que cresce no Brasil”, avalia Fábio Oliveira.

Outro motivo é o atrativo econômico que um evento dessa magnitude proporciona. Os organizadores estimam que mais de 25 mil pessoas prestigiem o Giro e passem pelo “Expo Village”, espaço exclusivo para exposição e comercialização de materiais esportivos, além de network entre ciclistas, parceiros e patrocinadores.

“Tudo isso ficará no centro do Capivari, a região turística mais privilegiada e procurada em Campos do Jordão, pela quantidade de opções de entretenimento e alimentação. A expectativa é que sejam gerados mais de 10 milhões de reais de impacto econômico apenas na semana do evento, especialmente pelo número de municípios envolvidos entre São Paulo e Minas Gerais. Espera-se, também, que o projeto gere mais de 1500 empregos diretos e indiretos em toda a sua cadeia”, explica Fábio Oliveira.

O empresário do ramo hoteleiro e gastronômico, Ike Elcheino, atua há mais de 20 anos na região de Campos do Jordão. Ele conhece bem o calendário cultural e de entretenimento da cidade, e diz que esse tipo de atração tem se mostrado, na prática, excelente para a economia local.

“Fomenta um turismo de altíssima qualidade, tanto na parte gastronômica quanto na parte de hotelaria. São eventos de magnitude e visibilidade mundial, que atraem diversas famílias. E nós já estamos sentindo o efeito disso dentro das reservas em hotelaria. O crescimento que observamos, sendo bem conservador, é de no mínimo 40% no período do evento”, explica.

Para o presidente da Federação Paulista de Ciclismo, Luiz Claudio dos Santos, o poder público deveria incentivar competições ciclísticas, replicando em outras cidades do país modelos como o do Giro d’Itália Ride Like a Pro. Na maioria das vezes, uma prova de ciclismo de estrada necessita da interdição parcial e até o fechamento total de rodovias importantes, o que exige autorização e muito diálogo com os órgãos públicos e a comunidade impactada.

Negociações que seriam facilitadas com o empenho de prefeituras e governos. “O ciclismo de estrada já vinha ganhando adeptos antes da pandemia, com o surgimento de diversas provas para vários níveis. Com a pandemia, esse processo acelerou, aumentando o uso da bike em geral”, destaca.

Paiol: o inferno na terra

Campos do Jordão, local escolhido para sediar o Giro d’Itália Ride Like a Pro, é uma cidade que fica a 170 quilômetros da capital paulista, 1.628 metros de altitude em relação ao nível do mar e que tem cerca de 50 mil habitantes. Para quem conhece, Campos é considerada o playground dos ciclistas, com um variado leque de montanhas para treino e paisagens de tirar o fôlego.

A prova irá acontecer no dia 3 de abril, com dois percursos disponíveis. O principal tem 110 quilômetros e 2650 metros de ganho altimétrico. O segundo, para os menos treinados, conta com 63 quilômetros e 1350 de altimetria.

Ambos passam pela serra Nova, Velha, Machadinho e cidades vizinhas como Santo Antônio do Pinhal, Sapucaí Mirim e São Bento do Sapucaí. Mas o que diferencia mesmo os percursos, além da quilometragem, é uma das montanhas mais duras do Brasil: a Serra do Paiol. Apenas os atletas do percurso longo irão escalar o “inferno na terra”.

Início da Serra do Paiol, em São Bento do Sapucaí, considerada uma das montanhas mais duras para o ciclismo no Brasil; ao fundo, a Pedra do Baú, ponto turístico da região / Talis Maurício/CNN Brasil

A última vez que a Serra do Paiol foi incluída em uma prova de ciclismo de estrada foi na extinta Copa VO2, em 2014. Desde então, a montanha foi “escanteada” do circuito comercial de provas, justamente por proporcionar experiências tortuosas aos ciclistas.

O trajeto tem 7 quilômetros de extensão, com inclinações que variam entre 13% e 24%. Montanha similar, embora cada uma tenha a sua particularidade, é o Monte Zoncolan, que fica na região de Cárnia, na Itália, e que já foi escalada diversas vezes pela elite do ciclismo mundial em etapas do Giro d’Itália.

“Ficamos com muito medo de colocar o Paiol no trajeto principal. Para a maior parte dos ciclistas do Brasil, que está acostumada a estradas planas, terrenos menos inclinados, ciclovias, talvez não fosse uma boa ideia. Mas aí pensamos, ou a gente coloca um produto diferente, ou seremos mais do mesmo. E aí decidimos arriscar”, conta Fábio Oliveira, sócio-diretor do evento.

O ciclista vai enfrentar a Serra do Paiol após percorrer 71 quilômetros de prova. Depois, ainda restam mais 39 quilômetros até cruzar a linha de chegada. Bicampeão da Copa VO2, Kleber Lopes Bahia, ex-ciclista profissional e hoje responsável por uma assessoria de ciclismo em São Paulo, se recorda bem do sofrimento que é escalar a montanha.

Para ele, o atleta que não souber se poupar e andar em seu ritmo terá sérios problemas para completar o percurso. “O Paiol é duro demais. A gente fica praticamente o tempo todo acima de dois dígitos de inclinação. Para quem vai subir de [bicicleta] speed, tem que ter uma relação leve, cassete 32 para cima”.

O analista de sistemas Gilberto Ramos, ciclista amador desde os 15 anos de idade, também participou das últimas provas de ciclismo de estrada que incluíram o Paiol no trajeto. Ele complementa que, além do cassete 32 na traseira, uma relação adequada nas coroas da frente envolve as opções 50×34 ou 52×36.

“Se hidratar também é fundamental, e alimentação leve pela manhã. Mas o mais importante é o ciclista obedecer ao ritmo dele. Começar o Paiol num ritmo lento, até mais leve do que é capaz, e ir sentindo a montanha, evoluindo aos poucos”, sugere.

Gilberto Ramos lembra de cenas que ficaram marcadas em sua memória durante as escaladas no “inferno na terra”. “Eu subi [o Paiol] em três provas, fora os treinos. Muitos ciclistas não têm nem noção da encrenca que vão enfrentar. Chegam lá e na hora que começa a subida se dão conta da parede, e aí tem início uma chacina (risos). É ciclista fazendo zigue-zague, parando, ciclista vomitando. Vários vomitando! Porque às vezes a pessoa desavisada não faz uma preparação boa, come muito no café da manhã, e quando chega no Paiol acaba passando mal”.

Ciclista sobe a Serra do Paiol, em Campos do Jordão (SP); montanha tem 7 quilômetros de extensão, com inclinações que variam entre 13% e 24% / Divulgação/Giro d’Itália Ride Like a Pro

A organização do evento recomenda que os ciclistas façam ao menos um treino de reconhecimento de percurso, para evitar contratempos com o Paiol. E, também, porque o trajeto irá contar com uma outra novidade que requer expertise extra.

Foi inserida uma rápida passagem de menos de 2 quilômetros por trechos de gravel (chão batido), uma das experiências mais emblemáticas do Giro d’Itália e inédita no Brasil. Como a incidência de furos de pneu pode ser grande, já que bicicletas de estrada, em tese, não são apropriadas para andar na terra, haverá intensificação da operação mecânica nesse trecho da prova.

“Vamos colocar motociclistas mecânicos, com acessórios para emergência, disponibilidade de peças e trocas de rodas, casos os atletas precisem após passar pelo trecho de gravel”, explica Fábio Oliveira, sócio-diretor do projeto. “Com relação à calibragem, recomendamos, para mais aderência e conforto, pneus 25 a 28, com 5 a 10 psi abaixo do que o atleta costuma usar”.

Dicas para não ‘quebrar’

No ciclismo de estrada ou no mountain bike, “quebrar” é o termo utilizado para definir o atleta que gastou todas as energias e que não tem mais reservas para continuar em alto nível. O resultado: ele se arrasta sem forças até concluir a missão. Isso acontece por uma série de fatores, sendo os principais a hidratação e a alimentação inadequadas antes e durante a prova.

O nutricionista esportivo Andre Pellegrini, especializado em atletas de ciclismo, explica quais os riscos em uma prova tão dura como o Giro d´Itália brasileiro e as formas de prevenir a quebradeira. “Provas assim pegam o atleta por duas questões. Uma é a hidratação e a outra é o aporte de carboidratos. Então, você tem que ter um consumo constante de líquidos e carboidratos durante a prova. E de preferência que ambos tenham sais minerais, principalmente potássio e sódio. Chegando perto do Paiol, um aporte extra de carboidrato, um gel por exemplo, é super bem-vindo. Porque assim você se previne, entre aspas, de problemas na subida”.

Pelotão de ciclistas percorre estradas de asfalto na região de São Bento do Sapucaí (SP), durante treinamento e reconhecimento de percurso do Giro d’Itália Ride Like a Pro / Talis Maurício/CNN Brasil

A alimentação pré-competição deve ser leve, porém rica em carboidratos. Recomenda-se pães, cereais, frutas, massas e até mesmo batata. O ideal é que o atleta acorde cedo e faça o consumo do café da manhã de 2 a 3 horas antes da prova, para evitar qualquer desconforto gástrico.

Covid-19 e segurança

A organização do Giro d’Itália Ride Like a Pro afirma que todas as medidas de prevenção contra a Covid-19 serão seguidas à risca. O uso de máscara na largada, por exemplo, será uma das obrigatoriedades. “Estamos atentos ao aumento de casos no estado de São Paulo. Mas não acreditamos que haverá adiamento da prova. A data está confirmada. E seguiremos todos os protocolos de segurança, como por exemplo exigir dos participantes o uso de máscara na largada”, explica Fábio Oliveira.

Ao todo, serão mais de 600 staffs trabalhando na operação do evento, além de 70 profissionais da área da saúde, entre médicos, enfermeiros e fisioterapeutas. Também haverá 10 motolâncias, 1 helicóptero para emergências, 150 policiais e 40 brigadistas.

Sobre acidentes envolvendo ciclistas, Fábio Oliveira acredita que o fato de a prova ser toda realizada em percurso contínuo irá reduzir o risco de contratempos. “Não teremos descidas neutralizadas. Número de atletas reduzido, com percurso contínuo, ou seja, sem ciclistas se chocando de frente, foram pilares que embasaram a nossa decisão. Acreditamos que reduzir atletas e evitar vai e vem nas vias já serão suficientes”.

Em setembro do ano passado (2021), o ciclista amador Fredy Tejada, de 65 anos, morreu após uma queda durante a prova L’étape Brasil, também em Campos do Jordão. O acidente aconteceu quando o ciclista descia a Serra Nova, local onde os atletas que vão participar do Giro d’Itália brasileiro também irão passar. De acordo com amigos e companheiros de prova, Fredy Tejada sofreu um traumatismo craniano ao cair.

Serviço

Giro d’Itália Ride Like a Pro Brasil
Campos do Jordão – São Paulo
Exposição: 1, 2 e 3 de abril
Circuito ciclismo de estrada: 3 de abril
Mais informações: https://giroridelikeaprobrasil.com.br/