Câmeras, microfones e algoritmos: como o entretenimento a bordo está se tornando pessoal

Lançamentos de novas telas com câmeras acopladas geram dúvida quanto à privacidade dos viajantes

Dominik Mentzos/Taylor James/Air

Francesca Streetda CNN

O entretenimento doméstico hoje é definido por televisores de tela plana elegantes e de alta definição, alto-falantes controlados por voz e celulares que nos conhecem melhor do que nós mesmos.

Então, quando embarcamos em um avião com telas de entretenimento que já tem mais de uma década, pode parecer que é a ressaca de outra era.

Conceitos recentes de entretenimento a bordo visam revolucionar a experiência atual, criando uma cabine personalizada e de alta tecnologia do futuro.

Se grandes nomes como a empresa de tecnologia Panasonic Avionics e a corporação aeroespacial Airbus fizerem do jeito delas, em breve você poderá desfrutar de itens como seleção de filmes personalizada a bordo, jogos interativos no assento e chamar a tripulação de voo por vídeo.

Cabines personalizadas

Na recente Aircraft Interiors Expo 2022 (AIX) em Hamburgo, na Alemanha, a Panasonic Avionics apresentou o Astrova, uma tela completa de entretenimento a bordo (IFE, na sigla em inglês) de próxima geração com microfone para comandos de voz e uma câmera embutida opcional com uma tampa de privacidade deslizante.

Astrova é uma nova tela de entretenimento de bordo da Panasonic Avionics / Panasonic Avionics

Um botão liga-desliga manual é a tentativa da Panasonic de aliviar as preocupações com câmeras em aviões, que vieram à tona em 2019, quando os passageiros descobriram lentes em telas IFE projetadas pela Panasonic.

A Panasonic defendeu essas câmeras, explicando que estavam lá para aeronaves preparadas para o futuro, caso as companhias aéreas quisessem implementar conceitos como videoconferência assento a assento, mais para frente.

O pesquisador de malware, Vitaly Kamluk, cuja postagem no Twitter em 2019 sobre uma câmera em um voo da Singapore Airlines se tornou viral, expressou preocupação de que os viajantes não estivessem cientes da existência das câmeras e que não havia um controle deslizante manual, tornando as câmeras potencialmente suscetíveis a hackers.

Companhias aéreas, incluindo Qantas, Emirates e Singapore Airlines, divulgaram declarações insistindo que essas câmeras foram desligadas e que não tinham planos de ligá-las. Uma reportagem da CNN também instigou senadores americanos a falar sobre o assunto.

David Bartlett, da Panasonic Avionics, então diretor de tecnologia da empresa e diretor de segurança da informação, disse à CNN na época que viu a resposta como uma “reação exagerada”.

“Acredito que a poeira vai baixar, que o caso seja visto como que os benefícios trazidos pelas câmeras seja mais forte do que qualquer preocupação de que elas possam ser usadas para fins nefastos”, disse Bartlett, que desde então deixou a empresa.

Três anos depois, a tela do Astrova reacende a conversa sobre câmeras em aviões, mas a Panasonic espera que o botão liga-desliga resolva qualquer inquietação.

Falando à CNN na AIX 2022, Brian Bardwell, líder de comunicações corporativas da Panasonic, sugeriu que “provavelmente houve algumas lições aprendidas” com a resposta pública em 2019.

O botão físico será “muito óbvio”, explicou o vice-presidente de gerenciamento de produtos e portfólio da Panasonic, Andy Masson, que mostrou à CNN um modelo do Astrova na AIX. Masson acrescentou que os passageiros receberão instruções detalhadas sobre como usar a câmera.

A câmera do Astrova inclui um interruptor deslizante manual liga-desliga / Panasonic Avionics

O Astrova também vem em uma forma sem câmera e, em última análise, cabe às companhias aéreas decidir se desejam que o recurso seja instalado. A Panasonic sugere que a opção de câmera pode permitir jogos interativos para os passageiros e comunicação no assento com a tripulação de cabine.

“Queremos dar às companhias aéreas a opção de envolver seus elementos de personalização – entendendo você, seus desejos, ativações anteriores do sistema IFE – para então sugerir conteúdo, jogos e aplicativos que possam ser interessantes para você”, disse Masson.

Os passageiros poderão desligar manualmente as câmeras e também poderão optar por não participar dessa coleta de dados do IFE. Mas Masson acha que muitos passageiros desejam uma experiência a bordo o mais personalizada possível, já que é o que eles estão acostumados em casa.

“Geralmente sinto que as pessoas, quando embarcam, estão realmente procurando por esse envolvimento e farão o que for necessário para conseguir esse envolvimento”, disse ele.

Um relatório de 2022 da empresa internacional de comunicações de aviação SITA, examinando o papel da tecnologia nas viagens aéreas, corrobora com as afirmações de Masson, concluindo que “quanto mais tecnologia houver durante a viagem, mais felizes serão os passageiros”.

O relatório da SITA questionou viajantes de 27 países no primeiro trimestre de 2022, analisando como eles usaram a tecnologia em todas as etapas de sua jornada, incluindo reservas, aeroportos em trânsito e a bordo.

O Astrova, da Panasonic, deve estrear na aeronave Boeing 777X da Qatar Airways. A companhia aérea irá instalar versões de 22 polegadas em suas cabines executivas e telas de 13 polegadas na econômica.

O Astrova, equipado com telas OLED 4K de qualidade cinematográfica, inclui tecnologia Bluetooth para permitir que os viajantes conectem dispositivos pessoais e portas de carregamento para laptops, tablets e telefones.

A CNN entende que a Qatar Airways optou pela versão sem câmera do Astrova.

A funcionalidade de microfone da Panasonic também permite que os passageiros usem comandos de voz para pesquisar conteúdo de entretenimento, como fariam com a Siri em um iPhone. Isso, mais a câmera, pode permitir videoconferência entre passageiros e tripulantes, embora a CNN entenda que nenhuma companhia aérea está atualmente interessada em implementar esse recurso.

Criando um “smartphone voador”

Airspace Link é um conceito da Airbus que visa tornar toda a aeronave um “smartphone voador” / Dominik Mentzos/Taylor James/Airbus

O relatório da SITA sugeriu que a maioria dos passageiros usa seu celular, tablet e laptop durante o voo.

Com telefones e outras tecnologias pessoais em constante evolução, é difícil para as companhias aéreas acompanharem – e algumas operadoras veem a confiança dos viajantes em seus dispositivos como um desencorajamento para investir na atualização do IFE. A American Airlines, por exemplo, recentemente removeu completamente as telas dos assentos.

Mas os designers do IFE, como a Panasonic, acham que há espaço para usar dispositivos pessoais em conjunto com telas embutidas. É assim que o Astrova funciona, e uma abordagem de várias telas também figura no mais novo conceito de cabine da Airbus, o Airspace Link, a mais recente iteração de sua abordagem de “cabine conectada”.

O Airspace Link foi projetado para transformar toda a cabine do avião em um “smartphone voador”, como o vice-presidente de marketing de cabine da Airbus, Ingo Wuggetzer, disse em uma entrevista recente.

O resultado é uma cabine onde potencialmente tudo é de alta tecnologia – desde compartimentos de bagagem suspensos que acendem quando estão cheios, até um assento de avião adaptado às suas preferências pessoais.

As opções de personalização do IFE podem incluir uma lista personalizada de opções de filmes, semelhante à maneira como o algoritmo da Netflix recomenda filmes com base em seus hábitos de visualização recentes. Os viajantes podem instalar um aplicativo em seu celular para se envolver ou usar uma tela IFE.

As companhias aéreas poderão rastrear os dados dos passageiros e descobrir como eles gastam seu tempo a bordo.

“Não é novo”, disse Wuggetzer sobre essa coleta de dados. “É só que aplicamos as mesmas coisas agora em uma aeronave”.

A pesquisa de mercado da Airbus sugere que os passageiros mais jovens estão abertos a que seus dados sejam usados dessa maneira, mas as gerações mais velhas podem ser mais hesitantes.

“No final, você provavelmente também terá a opção de dizer não”, disse Wuggetzer.

A versão original do Airspace Link, apelidada de Airbus Connected Cabin, incluía câmeras instaladas fora dos banheiros do avião, projetadas para comunicar informações sobre quantas pessoas estavam esperando na fila. A Airbus disse que os rostos sempre seriam borrados para garantir a privacidade.

Este ainda é um conceito que a Airbus está experimentando, mas Wuggetzer diz que seus designers não estão olhando para as opções de câmera nos assentos, pelo menos não atualmente.

“Talvez essa opção seja algo que possa ser considerado”, disse Wuggetzer, acrescentando que sua equipe está ciente da controvérsia anterior da câmera IFE, e qualquer câmera sempre incluiria um interruptor manual de ligar e desligar.

Ele está menos convencido pelos microfones nos assentos, principalmente devido ao potencial ruído que afetaria outros passageiros.

Perspectiva do passageiro

O Airspace Link pode oferecer aos viajantes opções de entretenimento a bordo mais personalizadas e interativas / Dominik Mentzos/Taylor James/Air

Vitaly Kamluk, especialista em segurança cibernética e passageiro frequente, cujos tweets lideraram as conversas sobre câmeras em aviões em 2019, disse à CNN que está satisfeito com a solução do interruptor liga-desliga da Panasonic para a câmera Astrova.

“Eu sou a favor da decisão de abordar as preocupações de privacidade de muitos passageiros”, disse Kamluk.

“Qualquer tecnologia pode ser hackeada um dia. No entanto, com cobertura confiável para sensores de vídeo, como câmeras, isso não é mais uma preocupação”.

De maneira mais geral, Kamluk disse que abraçou a ideia de uma cabine de avião mais personalizada, incluindo câmera, microfone ou coleta de dados, desde que as preocupações com a privacidade sejam completamente consideradas.

“Uma câmera com controle de privacidade é um ótimo complemento para o IFE”, disse ele.

“A necessidade de privacidade está aqui para ficar conosco. Não mudou por causa da pandemia e espero que continuemos desenvolvendo novas tecnologias com respeito à privacidade dos usuários como um dos requisitos fundamentais para inovações”.