Alberto Landgraf: menus a R$ 645, duas estrelas Michelin e personalidade polêmica

À frente do restaurante Oteque, no Rio de Janeiro, o chef figura entre os melhores do mundo e avisa: não vou parar

Chef Alberto Landgraf veio de uma pequena cidade no Paraná e, hoje, figura entre os principais nomes da gastronomia no Brasil
Chef Alberto Landgraf veio de uma pequena cidade no Paraná e, hoje, figura entre os principais nomes da gastronomia no Brasil Divulgação

Fernanda Meneguetticolaboração para o Viagem & Gastronomia

Há 11 anos, São Paulo ganhava o Épice, uma fachada discreta numa ladeirona dos Jardins. Não tinha chef famoso, nem fila na porta, mas mudou a cena gastronômica da cidade. Uma cozinha essencialista e ousada, que apostava alto em ingredientes, técnicas e criatividade.

Por trás dela, ou de combinações como orelha de porco e mostarda, pele de frango e fígado, coração de pato e beterraba, pupunha e algas, músculo e tutano, ouriço e cebola, estava Alberto Landgraf.

Paranaense de uma cidade tão conhecida quanto o seu nome, Cornélio Procópio, o jovem de 30 anos afiara os conhecimentos entre Reino Unido e França, em brigadas estreladas de chefs como Gordon Ramsay, Tom Aikens e Pierre Gagnaire, e desembarcava para imprimir o próprio sotaque na gastronomia do seu país.

Uma década e pouquinho depois, não há mais um estreante e nem o Épice. Em 2016, a casa fechou as portas – deixou o olimpo das premiações para adentrar a eternidade do paladar de muita gente. Por outro lado, abriu espaço a mais um case da restauração, o carioca Oteque, que completa quatro anos.

Duas estrelas Michelin, pronto para figurar no 50 Best Restaurants, o imóvel tombado no Botafogo abriga uma cozinha preciosa e um chef cheio de marra.

Autoconfiança, maluquice ou pedância. Verdade seja dita, o cara que traz uma churrasqueira de Tóquio ao Rio no colo só para não afetar a precisão do calor que passaria pela grelha que determinaria o ponto de seus pescados não pode ser chamado de lunático, mas aquela porcentagenzinha de insanidade dá o ar da graça, não é mesmo?

Falando em Japão, foi por lá também que o chef se convenceu da efetividade de escancarar sua culinária: “Perguntei porque toda cozinha lá era aberta e eles me falaram que era para monitorar tudo e até salvar um jantar no meio do serviço”.

Controlador assumido, gostou da ideia. Hoje, de seu “camarote”, avalia se o tamanho das porções está adequado, se o serviço está atento aos talheres, às taças e ao humor do comensal: “Dali já vi gente fingindo comer. Mandei o maître à mesa e ele descobriu que a pessoa era vegetariana. Nossa, sem problemas! A partir dali trocamos o menu, ela ficou superfeliz e volta sempre”.

Além da cozinha aberta (e absolutamente silenciosa), sob o pé direito altíssimo há ar-condicionado para refrescar um shopping center todinho, iluminação sexy, mesa sem toalha e música de Judas Priest a Abba em alto e bom som, graças à engenharia acústica.

O Oteque ainda exibe uma carta de vinhos primorosa, tendenciosamente biodinâmica e natural, servida em Zaltos (as taças austríacas tidas como as melhores do mundo), assim como um aquário para ostras e outras conchas que povoam o menu de oito tempos.

A sofisticação tem preço: sem os 12,5% de serviço, a degustação custa R$ 645. Inclui invariavelmente produtos sazonais fresquíssimos selecionados com rigor, combinados milimétrica e minimalistamente, numa beleza de deixar comensal perplexo.

Um cardápio assim pode bem listar ostra com leite de castanha e picles de maçã; sardinha, foie gras e brioche tostado (herança do Épice); mandioquinha com porco curado e cogumelo cru; músculo braseado com trufas. Mas nunca se sabe, pois ele pode se transformar de uma noite à outra.

Restaurante Oteque tem o ticket médio mais alto do país / Rubens Kato

Para acompanhá-la, se ao invés de desembolsar de R$ 550 a R$ 775 pela harmonização, alguém preferir trazer uma garrafa, somará R$ 240 à conta. Detalhes não tão pequenos que garantem o ticket médio mais alto do país: R$ 1.600.

Sim, os superlativos perseguem Alberto. Ou vice-versa: “Me divirto, criei um ambiente onde consigo fazer alta gastronomia de forma mais leve, com diversidade de gênero e gente das comunidades. Uma, duas, nenhuma estrela, o meu restaurante é esse. Como cantaria Frank Sinatra, ‘I did it my way’”.

Evidentemente, há algo fascinante sobre a cabeça-ego-coração dos chefs… Diferente de outras profissões, há tanto tempo, dedicação e inventividade investidos em suas carreiras e, ainda assim, às vezes eles ganham os holofotes por frases polêmicas ou mesmo por birras. Nessas horas, aliás, este aqui nem se faz de rogado!

“Uma vez questionei um inspetor do Guia Michelin. Passei atrás e ele estava vendo um jogo de futebol. Não aguentei: ‘você vem aqui uma vez por ano, eu tenho uma única oportunidade para te impressionar e aí você fica na porra do celular? Vai ver no seu hotel”, confessa o ex-crossfiteiro que, no braço, nunca saiu com ninguém.

Já nas redes sociais, uma pirraça por um smash burger evoluiu a acusações de assédio moral e sexual contra Roberta Sudbrack, baseadas em directs de seus seguidores no Instagram. Tornou-se um processo, sobre o qual o chef não pode dar detalhes no momento.

Em compensação, por mais que bata na tecla da discrição, ele não tem pudores em admitir que só se mudou para o Rio por conta da paixão pela chef Nathalie Passos (e que sofreu horrores com a separação) e que quando se junta com colegas de profissão evita falar de cozinha, e nem que vira e mexe pega a ponte-aérea para matar a saudades de endereços gastronômicos na capital paulista.

Ah, quando em São Paulo, para jantar, entre seus locais prediletos estão o Ryo ou o Shin-Zushi. Landgraf aproveita também para ver uma exposição ou um concerto: “Gosto de artes plásticas, design, arquitetura, música e dança. É onde busco inspiração, porque não tenho mais como me inspirar em outras comidas. Minha vanguarda é saber aplicar essa multidisciplinaridade no meu dia a dia”.

Que ninguém se engane, trabalhar em uma cozinha é estressante e pode afetar os ânimos mesmo. À pressão do cronômetro, da perfeição, do pioneirismo e das premiações, junta-se a gestão da equipe e a tentação de propostas: “Me oferecem restaurante em tudo o que é canto: Nova York, Los Angeles, Washington, Miami. Não fosse a pandemia, teria aberto em Dubai ou em Edimburgo. Então é capaz de eu abrir fora do Brasil”.

Enquanto isso, focado em seu Oteque, Alberto chegou à sua fórmula perfeita de “fazer uma cozinha comfort para quem não entende nada de gastronomia e só quer comer uma comida gostosa, mas também de permitir que quem vem com um olhar gastronômico consiga enxergar que tem algo por trás daquilo. E, tanto um quanto o outro, sair feliz”.

Marrento, taurino e na estrada há 21 anos, o paranaense (já não tão desconhecido quanto sua Cornélio Procópio) segue com tesão pelo que faz. A ponto de ser incapaz de escapar da própria passionalidade: “Não sou chato, sou só um cozinheiro que dá o sangue, que festa menos, que busca referências em tudo e que não vai parar”.