Tiradentes e São João del Rei: um deleite pela história e pela gastronomia mineira

Cidades históricas de Minas Gerais, ambas carregam características únicas e sabores que deixam qualquer um com gostinho de quero mais

Daniela Filomenodo Viagem & Gastronomia

Tiradentes, Minas Gerais

As cidades históricas de Minas Gerais contam mais do que apenas o passado. Por meio dos casarões seculares bem conservados, das igrejas adornadas com quilos e mais quilos de ouro ou ainda nos restaurantes que reinventam a comida mineira, somos testemunhas de uma rica cultura que ainda molda toda uma região e um povo.

Parte importantíssima do desenvolvimento de nosso país, estas cidades nos presenteiam com muita história, gastronomia e arte. São locais ideais para serem apreciados sem pressa, onde as ruas de pedra dos centrinhos históricos e a arquitetura barroca refletem a sensação de estarmos parados no tempo. E o passeio por aqui deve ser assim: contemplar e observar um presente que honra o passado.

Assim, é quase injusto comprimir a visita às cidades históricas a um único destino, ou até mesmo espremer os passeios em um único programa do CNN Viagem & Gastronomia. Por isso, além de Ouro Preto e Mariana, também percorri Tiradentes e São João del Rei, cidades coladinhas que carregam peculiaridades dignas de serem visitadas.

Maior das cidades históricas, São João del Rei mantém seu estilo barroco mas adiciona pitadas de modernidade, preservando um centrinho muito charmoso cheio de ruas antigas. Já Tiradentes, a apenas 15 km de distância, possui a maior estrutura hoteleira e gastronômica das cidades históricas, com muitas pessoas de outros locais que estabeleceram seus negócios por aqui.

E, talvez, a riqueza desta região e do nosso país resida justamente nisso: entendemos a história, moldamos o presente e projetamos o futuro por meio de personagens atuais, que são chefs de cozinha, guias turísticos, donos de hotéis e os próprios moradores. Sem eles, vir para cá não faria sentido.

Logo, venha comigo nesta viagem por uma parte ainda preservada e fundamental do nosso país e, no meio do caminho, delicie-se com o melhor da gastronomia mineira. Nada difícil, não é mesmo?

Vale ressaltar, porém, que gravei os dois episódios sobre as Cidades Históricas de Minas Gerais antes das fortes chuvas do começo do ano assolarem boa parte do estado. Acesse este link oficial para saber como ajudar os mais acometidos por este triste capítulo.

Tiradentes: cena cultural imperdível

A 190 km da capital “Beagá”, ou a cerca de 3 horas de carro, fica Tiradentes, cidadezinha de cerca de 8 mil habitantes que guarda tesouros culturais e gastronômicos imensuráveis. Uma das cidades históricas mais conhecidas, é um dos Patrimônios Históricos pelo Iphan, sendo muito bem conservada e cercada de beleza natural pela Serra de São José.

Em resumo, a cidade tem um pouco de tudo que é bom: arquitetura do século 18, com casarões tombados e igrejas preservadas; uma deliciosa gastronomia; encantadoras pousadas; e belas paisagens. Combo perfeito!

A visita pode começar pelas ruas de pedras irregulares do centro histórico, como na Rua Direita, principal via de acesso da cidade onde ficam alguns dos pontos turísticos. A partir daqui, vá até a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, exemplo de obra barroca no país, e o Museu de Sant’ana, que fica dentro da antiga cadeia pública de Tiradentes e guarda um acervo de imagens de santas e santos importantes para o povo brasileiro.

As obras foram reunidas pela colecionadora Angela Gutierrez ao longo de quatro décadas, que doou a coleção e acabou ressignificando o espaço da antiga cadeia. Estão expostas 300 imagens de Sant’Ana, a santa protetora dos lares e da família, bem como dos mineradores, datadas dos séculos 18 e 19.

É possível então emendar uma visita até a Igreja Matriz de Santo Antônio, de 1810, mais antiga igreja da cidade, que fica no topo de um mirante com vistas privilegiadas – o pôr do sol daqui é de ficar na memória. É indispensável visitá-la, já que é um marco para a história do Brasil, ornamentada com 482 kg de ouro e pinturas no teto que retratam passagens da bíblia.

Ainda no centro, o Chafariz de São José ajuda a contar outro capítulo da história local: em 1749, trouxe água potável para a população. Atrás dela dá para notar o lugar onde as mulheres lavavam as roupas e até onde batiam as peças. São detalhes que traçam um paralelo histórico e cultural incalculável.

Também há a Ponte das Forras, de 1792, que liga o Largo das Forras ao Largo das Mercês e se encontra no centro. Menos notada pelos visitantes, passar por ela é reviver o caminho que os tropeiros faziam para levar o ouro de um lugar a outro. De fora, seu estilo romano e com duas arcadas que dão sustentação à estrutura é marcante.

Gosta de artesanato? Outro passeio agradável é a ida a Bichinho, distrito que fica a cerca de 7 km da cidade e que pode ser acessado de carro. Lá há uma única e contínua rua com lojas, ateliês, oficinas e alguns bares que são igualmente concorridos pelos visitantes. Vale a pena dar um pulo por aqui.

E falando em artesanato, as lojinhas em Tiradentes também são imperdíveis. Vendendo de souvenirs a comidinhas típicas, a dica é entrar em uma lojinha e comprar o Rocca, um dos melhores doces de leite de Minas. Compre também goiabada e mostarda com jabuticaba – esta última é de capotar de bom, muito mais se acompanhada de uma linguiça feita na hora.

Lojas de decoração e objetos também são ótimas atrações em Tiradentes: tente a Marcas Mineiras, no Largo das Mercês, que é quase uma instituição por aqui. É uma lojinha moderna com cheiros, vidros e objetos mineiros, tendo até uma parte que simula como eram as mercearias de antigamente, com produtinhos deliciosos à venda como mandiopan, doce de leite, goiabada e rapadura de banana, reunindo mais de 400 produtores locais.

Além dela, há a loja da Semana Criativa de Tiradentes, que evidencia vários novos artistas, com obras de arte, móveis, luminárias e outros objetos. A loja é uma extensão da semana que ocorre em outubro, que é também um projeto social muito interessante na cidade.

Onde comer: “mineirices” típicas com toques modernos

Pensou que parou por aí? A cidade ainda possui uma cena gastronômica de dar água na boca. Em resumo, são releituras ou produções literais das delícias mineiras.

Um desses restaurantes é o Ora, que tem o chef Felipe Oliveira à frente da cozinha. Localizado na rua Ministro Gabriel Passos, no centro, ele nos apresenta uma cozinha moderna com técnicas francesas mas sem perder a essência do sabor mineiro. O conceito do chef é mudar alguma coisa que é bem tradicional num prato por um ingrediente que possui um sotaque da região.

O steak tartare da casa (R$ 49) leva jiló, por exemplo, o que garante uma picância e um amargor que equilibra com o tempero da carne. O cupim braseado (R$ 82), prensado e glaceado com creme de baroa, cebola tostada e quiabo, desfia de maneira ímpar. Para a sobremesa, nada menos do que um doce de leite, que aqui é queimadinho e leva farofa de canela e raspas de chocolate meio amargo. Deu água na boca? Aprenda a receita aqui.

Não deixe de ir ainda ao Tragaluz, na rua Direita, que está aqui há mais de duas décadas num casarão todo rústico. O chef Matheus Paratella é mineiro, foi para Itália e voltou trazendo técnicas de fora em que une o melhor dos ingredientes e das criações daqui.

De seus pratos, experimentei os canudinhos recheados de patês de galinha d’angola com geleia de jabuticaba, pozinho de camarão e finalizados com broto de alfavaca de manjericão. Para o prato principal, me serviu um brasato, prato em que a carne fica cozinhando em baixa temperatura por 48 horas e vai desfiando lindamente, acompanhado de minilegumes. É um dos restaurantes mais lindos da cidade e que ainda serve um cardápio sazonal.

Não deixe ainda de conferir o Angatu, do chef Rodolfo Mayer, que alia cozinha moderna com ingredientes brasileiros e alma mineira no centro. Outro que merece a visita é o Viradas do Largo, da chef Beth Beltrão, quase uma instituição mineira que tive o prazer de conhecer.

Nesta última casa, na rua do Moinho, cozinhei ao lado dela, que fez uma pururuca de tirar o chapéu. Vi minha avó nas mãos dela! Já na mesa, nada melhor do que uma linguicinha com pimenta, torresmo, ovo de gema mole, carne e couve da casa. Por fim, o sorvete de queijo com goiabada é indispensável. A mesa aqui é farta, mas como a própria chef me disse, “mineiro que não tem mesa farta não é mineiro”.

Vale ressaltar que as refeições foram acompanhadas de vinhos mineiros! Sim, principalmente os da Serra da Mantiqueira, como o Maria Maria Syrah 2020, mas também o Luiz Porto, produzido na própria cidade de Tiradentes.

O projeto foi iniciado em 2004 pelo pai de Luiz Porto Junior, jovem que hoje se dedica exclusivamente ao vinho. Ele trouxe o processo de vinificação para a cidade, ajudando a construir as novas histórias daqui.

Experimentei um sauvignon blanc diretamente da fonte, que é bem leve e vindo de um tonel de inox. Já a linha Luiz Porto, que apresenta tintos, por exemplo, é envelhecida em barricas de carvalho. Assim, nestas taças, acabamos consumindo um pouco da história desta terra e deste povo.

Onde ficar: pousadas em meio à história

Assim como seus pontos turísticos bem conservados e restaurantes com pratos que brilham nossos olhos – e saciam o estômago -, as pousadas e hotéis em Tiradentes não deixam a desejar.

Quer dormir na história? A cidade é lar do Solar da Ponte, um pousada de apenas 18 quartos no centro histórico que alia uma hospedagem moderna no estilo antigo. Hoje, com piscina e até ateliê gourmet, foi a primeira pousada estabelecida por aqui. Com uma decoração bem rústica, que reflete o padrão e a riqueza da cidade, os jardins são amplos e o hotel oferece passeio para os principais pontos.

Daniela Filomeno na Pousada Pequena Tiradentes/ CNN Viagem & Gastronomia

Um pouco mais afastado do centro, garantindo uma certa paz e silêncio a mais, a Pousada Pequena Tiradentes é bem interessante pois replica o centrinho da cidade na arquitetura e na construção. São várias casinhas em pequenas vielas onde os hóspedes podem ter a sensação de se estar em um vilarejo.

São 62 quartos ao todo, e cada um deles tem o nome de uma mulher brasileira e alguns poemas em azulejos. O café colonial é regado a muito requeijão e queijo da Serra da Canastra, além de um shot de própolis com pão de queijo junto de um café preto – ótimo para acordar. Gosto de ressaltar também que a bala de coco é famosa pela pousada: na recepção há um grande pote com os docinhos à nossa espera. Tentador, não é?

São João del Rei: visita bate e volta

São apenas 15 km que separam Tiradentes da graciosa São João del Rei, maior e mais populosa entre as cidades históricas, com mais de 90 mil habitantes. Hoje, ela carrega bem o charme do passado com um centrinho histórico repleto de ruas antigas, igrejas adornadas e comércios agradáveis, mas a paisagem já possui seus toques de urbanização.

Como a distância entre uma cidade e outra é curta, há oportunidade para que façamos um bate e volta a partir de Tiradentes. E uma das maneiras mais tradicionais – e, diga-se de passagem, afetivas – de se realizar o trajeto é a bordo da Maria Fumaça. Com seus banquinhos de madeira e buzina, o trem turístico nos leva a viajar no tempo e passa por paisagens bem características.

Maria Fumaça mais antiga em operação no Brasil, o passeio sai por R$ 80 ida e volta ou R$ 70 somente a ida, às sextas, sábados e domingos.

Uma vez na cidade, seus mais de 300 anos de história seguem bem conservados: São João del Rei reúne hoje a maior coleção de casas históricas do século 18 entre as cidades da região. Com todo seu esplendor, as igrejas daqui dominam o check-list do que ver e fazer na cidade – ela é chamada carinhosamente de “terra dos sinos”, já que as badaladas formam um coro único.

São várias delas, e destaco a Igreja de São Francisco de Assis, no centro, e a Catedral Nossa Senhora do Pilar, cuja fachada simples esconde um interior riquíssimo em detalhes que vão de encontro com os ideais barrocos e rococó. Datada de 1732, é a que mais tem ouro na cidade, com cerca de 272 kg do elemento em sua decoração, com adornos dourados que saltam pelas paredes e chamam atenção da nossa vista.

No centro histórico, cujas ruas são de pedras, como nos tempos antigos, a dica é fazer uma paradinha para comer “mineirices” na Taberna d’Omar, que serve cafezinho e uma cozinha artesanal bem em frente à Paróquia Nossa Senhora do Carmo. Pães, bolos, geleias, tudo é feito aqui: um deleite para nossos olhos e também estômago.

Continuando o passeio, a rua Santo Antônio, mais conhecida como a “Rua das Casas Tortas“, é uma das mais antigas e imprescindíveis de se conhecer na cidade. Muita charmosa e fotogênica, as casas daqui foram construídas de maneira sinuosa e carregam a aura de um tempo que se foi.

Os casarões conservados possuem janelões com cortininhas e imaginar a vida que ocorre dentro de cada uma aumenta o encanto de São João del Rei.

A cidade também é local de nascimento de algumas figuras ilustres, a exemplo do ex-presidente Tancredo Neves, que ganhou até um memorial interessante na casa que residiu, o Solar das Neves, um sobrado construído no século 19 que conta sua história com ajuda de recursos digitais.

É uma delícia andar sem pressa pelo centrinho histórico, com suas casinhas típicas e comércio local, esbarrar nas igrejas e capelas e, claro, parar para tomar um café e devorar um pão de queijo – quem sabe acompanhado de um doce de leite!