Manaus: os sabores e os saberes da capital da floresta amazônica

Encravada em meio à Amazônia, a cidade se mostra como um importante centro cultural e hoteleiro, além de guardiã de uma gastronomia riquíssima que usa as matérias-primas da natureza com sabedoria

Daniela Filomenodo Viagem & Gastronomia

Manaus

Principal porta de entrada para a maior floresta tropical do mundo, Manaus pode ser descrita como uma confluência de sabores, saberes, aromas, rios e povos. Encravada em meio à Amazônia, a capital do estado do Amazonas possui mais de 2,2 milhões de habitantes e estar aqui é ser testemunha de um destino plural: a cidade nos presenteia com muita história, natureza, gastronomia e uma cultura vibrante.

O calor vindo da floresta úmida faz com que o suor escorra pelo nosso corpo, e que apenas as águas caudalosas do Rio Negro são capazes de nos refrescar. O patrimônio arquitetônico baseia-se em construções remanescentes dos tempos áureos do ciclo da borracha, do século 19, com casarões e palacetes que, hoje, dão lugar a espaços multiculturais e a uma hotelaria sofisticada que alia o luxo descomplicado à sustentabilidade.

Já a culinária, pautada nos peixes de água doce e em frutos de árvores nativas, revela-se uma poderosa ferramenta de tradição e da identificação de um povo – ou melhor, de vários povos que ajudaram e ainda ajudam a formar a região. Peixes como pirarucu, tambaqui, matrinxã e tucunaré, além de frutos como tucumã, cupuaçu, pacovã, bacuri, entre outros, são nomes onipresentes nas combinações por aqui.

Durante a imersão do CNN Viagem & Gastronomia na Amazônia, pude presenciar de perto o brilhante trabalho de chefs que utilizam ingredientes regionais para criar pratos para lá de saborosos e criativos. É definitivamente uma capital que representa muito bem sua gastronomia, sendo um centro gastronômico que congrega os sabores e ensinamentos da região.

Assim, Manaus é uma capital onde me sinto muito segura e que me oferece uma diversidade do que ver, fazer e comer – dentre os destaques, minha escolha certamente vai para a culinária! Para ser bem conhecida, um roteiro de mais de dois dias é necessário para abranger este destino único no Brasil.

E, talvez, o que mais me agrada por aqui é o que chamo de turismo de transformação. O interessante é se informar sobre os passeios, localizar-se no mapa e tentar decifrar nosso papel no meio disso tudo. Quando estamos no meio do Rio Negro e mais próximos da floresta, por exemplo, isso se intensifica: poder parar, escutar os sons ao redor e sentir as sensações que apenas este canto do país nos dá é transformador.

Com isso, embarque nesta jornada comigo por Manaus e descubra os melhores pontos culturais, hotéis e restaurantes que moldam esta importante cidade do Norte do Brasil:

Programas culturais e pontos turísticos imperdíveis

É em seu centro histórico que Manaus transpira seu passado e nos conta uma história viva formada principalmente no ciclo da extração da borracha na região. Andar por aqui é estar entre construções preservadas dos séculos passados e ser transportada para um tempo que não volta mais.

Para além das construções ostensivas, há locais que demonstram a cultura local de outra maneira, como a Feira Manaus Moderna, onde pescadores vendem os principais peixes da região. Falando em rio, passeios no Rio Negro são imperdíveis: é a partir dele que pessoas se locomovem, que famílias tiram seu sustento e onde há o fantástico encontro das águas.

Encontro das águas

É simplesmente um dos passeios imperdíveis de se fazer quando em Manaus. Mundialmente famoso, estar em cima do encontro entre o Rio Negro e o Rio Solimões, que não se misturam, é presenciar um fenômeno da natureza que chega ser até difícil de acreditar.

O programa pode começar no Porto de Manaus, de onde embarcações e voadeiras partem para levar os turistas para pontos diversos do imenso rio – diversas empresas fazem o percurso diariamente. Uma vez aqui, é agradável também observar os barcos atracados e os pescadores manejando seus pescados, um vislumbre da vida cotidiana deste pedaço da cidade.

Já dentro da embarcação, é uma delícia sentar-se nos banquinhos ao lado das águas e sentir as gotículas nos refrescando ao longo do caminho, e poder avistar também os grandes barcos que navegam por dias pelos rios amazônicos e casas feitas de palafitas.

Após alguns minutos, chegamos ao local emblemático. É num ponto em frente a Manaus que as embarcações param bem em cima do encontro entre as águas escuras do rio Negro e as águas barrentas do rio Solimões, que não se misturam, e este “beijo” segue por cerca de seis quilômetros. A resposta para o fenômeno está nas diferenças entre a temperatura e a densidade das águas, na acidez e na velocidade de suas correntezas. É especial!

Com sorte, como eu mesma tive, o olhar atento consegue ver os botos-cor-de-rosa, figuras típicas destas águas. É lindo vê-los pulando e nadando ao nosso lado, e nos sentimos como crianças novamente.

Teatro Amazonas

É o cartão-postal da cidade e símbolo arquitetônico e cultural de todo o estado – considerado também um dos teatros mais belos do mundo. Finalizado em 1896, há 125 anos guarda toda a pompa da elite da época do enriquecimento no auge do ciclo da borracha. Em suma, é um local quase que obrigatório para visitar e se perder na beleza de seus detalhes.

Todo rosado, o exterior chama atenção logo de cara pelas grandes proporções e por estar num local mais elevado, como num platô – escolhido desta forma para a construção ganhar evidência e se firmar como um centro cultural e importante patrimônio. Interessante é que as opiniões se dividem em relação aos estilos arquitetônicos do teatro, o que o deixa ainda mais atraente. Ainda no exterior, a grande cúpula é um dos aspectos que mais prendem o olhar: são 36 mil peças que a formam, vindas da França, talhadas nas cores da bandeira do Brasil.

Se seu exterior já rende lindas fotos, é em seu interior que a mágica acontece: com uma riqueza imensurável de detalhes, ele conta com 701 lugares e peças vindas de várias partes da Europa. Além disso, uma das referências do teto são as bases da Torre Eiffel – é como se a plateia estivesse sentada debaixo da torre.

É impressionante visitar o local e perder o olhar na grandeza de suas pinturas, lustres e cores vermelhas – além de ser notável lembrar que, mais de 125 anos depois, o teatro ainda serve com seu propósito ao continuar como um importante polo de apresentações artísticas para a população local. O interior do teatro pode ser acessado mediante agendamento e, para visitantes não amazonenses, com o pagamento de uma taxa de R$20 a inteira que conta com visita guiada.

Palácio da Justiça

Bem atrás do Teatro Amazonas fica o Palácio da Justiça, grande construção em tom amarelo construída em 1900 que ainda carrega detalhes e artefatos de Portugal e da Itália. De arquitetura clássica, serviu até 2006 como sede do Poder Judiciário do Amazonas. Em junho daquele ano deu espaço ao centro cultural como vemos hoje.

Vale a visita dobradinha com o Teatro! Bem conservado, o local conta hoje com exposições temporárias no térreo e um acervo fixo no piso superior com objetos – e a história – de sua funcionalidade. Há gabinete de leitura, tribunal do júri e sala das becas.

Relógios estilo carrilhão preenchem os cômodos, como o que fica na escadaria principal – aqui desde 1920 e com maquinaria da Suíça. Também é necessário agendamento para visitar o local, mas sem a necessidade do pagamento de taxa.

Feira Manaus Moderna e Mercado Municipal

A apenas alguns passos do “Mercadão” Adolpho Lisboa fica a Feira Manaus Moderna, centro comercial em que encontramos uma grande variedade de peixes frescos de água doce. Eles ficam espalhados pelas bancadas de inox prontos para serem limpos e cortados.

É por aqui que sentimos e degustamos os aromas dos peixes e dos frutos amazônicos, mais uma maneira de mergulharmos na cultura local. Entre os corredores, não deixe de experimentar lascas de tucumã das mãos dos vendedores e de notar a variedade de farinhas – a mais comum por aqui é a ovinha, bem crocante, usada para rechear peixes ou como acompanhamento.

O tucupi, base do tacacá, é facilmente encontrado aqui, assim como o queijo coalho e a pimenta murupi. E os boxes externos são repletos de peixes “ticados”, como o matrinxã, prontos para serem consumidos – “ticar” é uma técnica ancestral em que se quebra as espinhas para facilitar o consumo e também ajuda os temperos a penetrarem na carne.

Além da Feira, vale a passada, claro, no Mercadão, existente aqui há cerca de 139 anos. Um dos marcos do centro de Manaus, seu notável estilo art nouveau chama atenção ao ser construído com ferro fundido. Geleias, doces, cachaças e  souvenirs dos mais variados podem ser encontrados pelos corredores.

Sofisticação e história: hotéis no centro

Além de espaços culturais, restaurantes e um certo badalo durante as noites quentes, o centro também reserva aos visitantes hotéis sofisticados que unem o melhor do luxo e da sustentabilidade em casarões bem conservados.

Assim, hospedar-se no centro é a oportunidade perfeita para conhecer todo o entorno a pé – uma das melhores maneiras de vivenciarmos a cidade.

Juma Ópera

Abrir a janela e dar de cara com os tons rosados e a imponente cúpula do Teatro Amazonas é apenas uma das experiências que o Juma Ópera nos proporciona. Bem ao lado do teatro, na Rua 10 de Julho, dois casarões antigos remodelados e tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) formam o hotel-boutique no centro de Manaus.

São 41 quartos espaçosos, em que a maioria tem vista direta para o imponente cartão-postal e possui proteção acústica. O calor da cidade é um convite para nos refrescarmos na piscina no rooftop, que conta com uma vista deslumbrante para o teatro e também para o Palácio da Justiça, assim como para as principais atrações do centro.

O restaurante fica dentro de uma estrutura de vidro e ferro, em que a cozinha é dedicada à gastronomia regional e internacional. Bar, academia e lounge completam a estrutura, em que sua localização é ideal para descobrir o centro e sentir a história única que a redondeza carrega.

Hotel Villa Amazônia

A poucos passos do Juma Ópera, ainda na própria Rua 10 de Julho, mais próximo do Palácio da Justiça, fica outro hotel-boutique que adiciona uma camada de sofisticação na cidade. É o Villa Amazônia, com 30 quartos e construído como uma homenagem à floresta.

Como esperado, ele ocupa uma casa de 1907 dotada de um pé direito alto, projeto arquitetônico com janelões que proporcionam entrada de luz e circulação de ar. Unindo a fachada histórica a um interior com design contemporâneo, os detalhes em madeira e os tons amenos imprimem uma recepção acolhedora.

Os quartos e a recepção se localizam onde eram os sótãos e a piscina comprida é rodeada de muitas plantas – o que ajuda a refrescar e deixar o ambiente mais harmonioso. O destaque também vai para o café da manhã, com criações típicas: suco de açaí para dar aquela energia, o famoso x-caboquinho (iguaria manauara) e tapiocas.

Restaurantes: o melhor dos ingredientes amazônicos

Capital do Amazonas e da floresta, Manaus também pode ser descrita como uma capital gastronômica, grande polo urbano que representa muito bem os sabores e os ensinamentos culinários de toda a região.

Além dos restaurantes mais conceituados a seguir, destaco duas iguarias importantíssimas na cidade: o x-caboquinho e o tacacá.

O primeiro é como um patrimônio imaterial de Manaus, um sanduíche feito tradicionalmente no pão francês que leva queijo coalho, banana pacovã frita e lascas de tucumã. É o sabor manauara em nossas mãos! É feito nos mais diferentes comércios e pode ser experimentado nos mercados e também casas de lanches pelo centro.

Já o tacacá é um prato típico de toda a região amazônica e de origem indígena, que leva camarão seco, jambu e tucupi (caldo amarelado extraído da mandioca). Em Manaus, experimente o Tacacá da Tia Socorro, no bairro Parque 10 de Novembro, em que a iguaria ainda é feita com cheiro verde e cebola para dar um sabor a mais.

Banzeiro

É um restaurante que tenho paixão na cidade, uma das melhores casas de Manaus para experimentar o que de mais típico a região tem a nos oferecer. Comandado pelo chef Felipe Schaedler, o interessante é que o Banzeiro desembarcou também em São Paulo em 2019, levando um pedacinho da floresta para a cidade mais populosa da América.

A decoração da casa, com uma canoa de madeira na parede e uma ilustração de um peixe regional, evidencia a cultura nortista e dos povos indígenas que será experimentada nos pratos.

Uma das receitas mais emblemáticas do restaurante e de Manaus, segundo o próprio chef, é a costelinha de tambaqui, que aqui é servida na versão com barbecue e farinha uarini (R$49), frita (R$52 quatro unidades ou R$142 para duas pessoas com baião de dois, vinagrete e banana frita) e parrilla (R$149 para duas pessoas com baião de dois e farofa de ovo). Ficou com vontade de uma costelinha? Aprenda a deliciosa receita aqui.

A fama também se dá pela formiga saúva (crocante e com gostinho de capim-limão) e espuma de mandioquinha (R$16), entrada individual leve e bem fotogênica. A carta de drinks é bem refrescante, e, uma vez aqui, experimente a cerveja da casa, uma witbier com puxuri (R$22), semente amazônica que junta três especiarias segundo os locais: anis estrelado, noz-moscada e cravo.

Caxiri

Quando começamos a apreciar a gastronomia amazônica vemos que não são apenas os peixes que possuem protagonismo: as Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs) também são um pilar importantíssimo da culinária local. E é no Caxiri, restaurante bem em frente ao Teatro Amazonas comandado por Débora Shornik, que isso fica mais evidente.

Paulista de coração manauara, a chef é uma estudiosa das PANCs e apresenta em seu restaurante uma culinária amazônica que digo que é uma gastronomia de sensações. É uma cozinha simbiótica que está completamente ligada à natureza, já que é ela quem nos diz o que vai ser colocado à mesa, como afirma a própria Débora.

O nome da casa, que tem plantas suspensas no teto e paredes de tijolinhos aparentes, vem de uma bebida da mandioca extraída somente por mulheres. Aqui, não deixe de experimentar o lombo de tambaqui (R$78), com abacaxi grelhado e macaxeira recheada com queijo coalho, e também a salada de verdes e PANCs (R$34), que tem até rodelas de bucha, trepadeira usada também como objeto para tomarmos banho.

É uma delícia sentir a crocância dos legumes e apreciar as PANCs, em que grande parte delas é fornecida pelo Sítio PANC, escola e propriedade referência nesta área que disponibiliza ensinamentos em agroecologia.

Biatüwi

As raízes indígenas de Manaus se refletem fortemente no primeiro restaurante indígena do Brasil, o Biatüwi. Inaugurado em 2020, somente indígenas trabalham no local, onde tentam trazer um pouco da cultura dos povos originários para o centro da cidade. Aqui, a comida vai além da função do apenas alimentar: ela é também nutrição para a alma.

Chamada na verdade de casa de comida indígena, já que tenta trazer exatamente a reconstrução de tudo aquilo que os indígenas deixaram de falar e fazer, o local concentra também um centro de cultura e de medicina, o Bahserikowi.

Nos fundos, a cozinha, com algumas mesas disponíveis num pequeno salão arejado, nos apresenta comidas apimentadas, como a quinhapira de tambaqui ou matrinxã (R$30), com o peixe mergulhado num caldo apimentado com tucupi preto e acompanhado de formiga sahai (saúva) e uma fatia de beiju. Também há o filé de tambaqui puquecado (R$30), assado na folha de cupuaçu ou de cacau e finalizado com formiga sahai, assim como a mujeca de matrinxã (R$35), um caldo apimentado engrossado com goma e peixe desfiado.

Quem comanda a cozinha é Clarinda Ramos, da etnia Sateré-mawé, que ressalta que a comida servida na casa não é exótica, mas, sim, segue a tradição e o costume diário indígena. A pimenta também não está aqui por mero acaso: segundo a tradição, ela cura, protege e purifica a alma. É um verdadeiro encontro com as raízes dos povos originários!

Shin Suzuran

Saindo um pouco do centro da cidade, outro restaurante faz bonito na cena gastronômica de Manaus. Falo do Shin Suzuran, do chef Hiroya Takano. Digo que é uma imersão interessante e deliciosa na tradicional culinária japonesa com um toque bem amazônico, já que o chef une conhecimentos e técnicas asiáticas com ingredientes locais.

Já um personagem da gastronomia manauara – onde quer que vá, Hiroya é reconhecido na cidade -, o chef adapta a culinária japonesa com o que vem da floresta e dos rios. Os peixes amazônicos, como o tucunaré, preferido de Hiroya, são transformados em sushis e sashimis.

Ele também introduziu a vitória-régia no cardápio, como a entradinha de sunomono de vitória-régia com lichia (R$40). As PANCs também se fazem presentes, como o curioso tempurá da folha urtiga (R$28). A casa, no bairro de Nossa Senhora das Graças, é uma parada interessantíssima em Manaus, em que vale a pena apreciar os ensinamentos e as criações do chef.