Chances de pegar Covid-19 em avião são menores do que se pensa, dizem cientistas

Uma explicação para o nível de risco baixo é que o ar nas cabines de aeronaves modernas é substituído com novo ar fresco a cada dois a três minutos

Tamara Hardingham-Gill, da CNN*

Avião
 
Foto: Unsplash

Sentar-se espremido entre um monte de estranhos a bordo de uma aeronave pode parecer arriscado durante esses tempos incertos.

Mas, de acordo com alguns especialistas – que recorrem aos poucos casos documentados de transmissão do vírus em voo – as chances de pegar a Covid-19 a bordo de um voo são, na verdade, relativamente pequenas.

O medo de voar durante a pandemia reduziu drasticamente o tráfego aéreo global, que também foi restringido devido ao fechamento de fronteiras. Se as novas descobertas dos cientistas forem confirmadas, o risco elevado percebido de embarcar em um avião pode ser infundado.

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Em um caso, cerca de 328 passageiros e membros da tripulação foram testados para o coronavírus depois que foi descoberto que 12 passageiros a bordo de um voo em 31 de março dos EUA para Taiwan tinham Covid-19 e, na ocasião, eram assintomáticos. No entanto, todos os outros passageiros tiveram resultado negativo, assim como a tripulação.

Embora certamente tenha havido casos de passageiros infectados transmitindo o vírus para os tripulantes ou outros passageiros  nos últimos meses, as taxas de transmissão são baixas.

Um estudo publicado recentemente na revista médica JAMA Network Open encontrou evidências da possível disseminação do coronavírus durante um voo de quatro horas entre Tel Aviv a Frankfurt, feito em março.

Dois passageiros ficaram doentes depois voar com um grupo de sete turistas que entraram em contato com um gerente de hotel infectado; o grupo também foi infectado, de acordo com pesquisadores do Instituto de Virologia Médica da Universidade Goethe, em Frankfurt.

Os dois passageiros que podem ter sido infectados a bordo estavam sentados na parte de trás da aeronave, do outro lado do corredor dos sete passageiros que haviam contraído o vírus, mas não sabiam à época.

Um voo anterior, do Reino Unido para o Vietnã, feito em 2 de março, em que um passageiro aparentemente espalhou o vírus para cerca de 14 outros, bem como um membro da tripulação, é considerado o único caso conhecido de transmissão a bordo para várias pessoas.

Uma explicação para o nível de risco aparentemente baixo é que o ar nas cabines de aeronaves modernas é substituído com novo ar fresco a cada dois a três minutos, e a maioria dos aviões é equipada com filtros de ar projetados para capturar 99,99% das partículas.

Enquanto isso, vários novos protocolos foram implementados, como coberturas faciais para passageiros e tripulantes, obrigatórias na maioria das companhias aéreas, checagem de temperatura, limpeza mais intensiva da cabine e movimentos limitados na cabine durante o voo.

Arnold Barnett, professor de estatística da Sloan School of Management do Massachusetts Institute of Technology (MIT), tentou quantificar as chances de se infectar com o vírus a bordo de um voo curto em um estudo recente que analisou os benefícios da política de assento do meio vazio.

Baixo risco de transmissão

De acordo com suas conclusões, baseadas em voos de curta distância nos Estados Unidos em aeronaves configuradas com três assentos em cada lado do corredor, como o Airbus 320 e o Boeing 737 (e supondo que todos estejam usando máscara), o risco de pegar o vírus em pleno voo é de apenas 1 em 4.300. Essas chances caem para 1 em 7.700 se o assento do meio estiver vago.

“A maioria das coisas é mais perigosa agora do que antes da Covid-19, e a aviação não é exceção à regra”, disse Barnett à CNN Travel.

“Mas três coisas precisam dar errado para você se infectar (em um voo). Tem que haver um paciente com Covid-19 a bordo e ele tem de ser contagioso”, explicou. “Além disso, se houver tal pessoa em seu avião, presumindo que ela esteja usando uma máscara, a máscara teria de falhar na prevenção da transmissão. As pessoas também precisam estar próximas o suficiente para que haja o perigo da transmissão”.

O professor do MIT diz que levou todas essas probabilidades em consideração antes de determinar um risco geral de transmissão.

Esses números são especificamente para voos de duas horas dentro dos Estados Unidos, o país atualmente com o maior número de casos de Covid-19 no mundo.

As probabilidades serão menores para voos feitos em partes do globo com poucos casos e maiores para voos longos, pois “a relação de proximidade é um fator, além da existência de proximidade”, explicou.
Barnett prossegue afirmando que não há uma grande diferença em termos de risco entre os passageiros sentados em um assento no corredor ou na janela em um voo cheio.

No entanto, as chances de infecção são ligeiramente maiores para aqueles que ocupam assentos no corredor, porque eles simplesmente têm mais pessoas ao seu redor.

“Essas pessoas ficam sob o risco daquelas que estão na mesma fila, do outro lado”, disse. “E, em menor grau, das pessoas na fileira atrás e à frente.

“Estatisticamente, o assento da janela é um pouco mais seguro do que o assento do meio ou o assento do corredor em um avião que está cheio. Mas não é uma grande diferença.

Menos passageiros

A pesquisa de Barnett é baseada na suposição de que os voos estão operando com volume total, mas é importante notar que muitos ainda estão operando com capacidade reduzida.

Apesar da TSA, a Administração de Segurança de Transporte dos EUA, relatar que o tráfego através dos checkpoints da segurança em aeroportos passou de 800 mil em agosto (número atingido pela primeira vez desde a pandemia), há uma redução de 31% em relação ao mesmo dia em 2019.

O professor é um forte defensor da política de lugares vazios do meio, adotada por empresas como Delta Air Lines, Southwest Airlines e JetBlue Airways. No entanto, a International Air Transport Association (IATA) descreve esta abordagem como “economicamente inviável” para companhias aéreas.

“O rastreamento da febre, coberturas faciais e máscaras estão entre as muitas camadas de medidas que estamos recomendando”, afirmou Alexandre de Juniac, diretor geral e CEO da IATA, em um comunicado oficial divulgado no mês passado. “Deixar o assento do meio vazio, no entanto, não é uma delas”.

De Juniac sugeriu que um teste de Covid-19 eficaz que pode ser administrado em escala, além de passaportes de imunidade, são medidas biossegurança temporárias que também podem ser incluídas, se estiverem disponíveis.

“Precisamos chegar a uma solução que dê aos passageiros confiança para voar e mantenha o custo do voo acessível”, acrescentou. “Um sem o outro não terá nenhum benefício duradouro”.

Embora cada companhia aérea adote medidas ligeiramente diferentes, a orientação geral para os passageiros é usar máscara, lavar as mãos regularmente e fazer o check-in online para minimizar os riscos de transmissão durante o voo.

Proteção aprimorada

No entanto, o professor Barnett recomenda que os viajantes deem um passo além, usando um escudo facial.

“Há várias coisas que podem ser feitas para assumir o risco, que é pequeno, e torná-lo ainda menor. Um escudo cobre seus olhos, nariz e boca, diminui o risco de outras pessoas infectarem você”.

“A ciência muda a cada dia, mas entendo que, ao usar uma máscara, você reduz muito a chance infectar outras pessoas. Mas ela não o protege tanto quanto o escudo. Se eu estivesse voando agora, certamente usaria um escudo.”

Tal visão é de certa forma apoiada por um novo relatório de pesquisa da Universidade de Edimburgo e da Universidade Heriot-Watt do Reino Unido, que conclui que o uso de barreiras de plástico no avião – os escudos de proteção individual de assento – irá reduzir o risco de contaminação por Covid-19 significativamente, desde que elas sejam usados em conjunto com máscaras faciais.

De acordo com a pesquisa “coberturas faciais, dispersão de aerossol e mitigação do risco de transmissão de vírus”, jatos de ar podem vazar pelas laterais e por trás, bem como pela frente das máscaras faciais.

A pesquisa recomenda que os assentos da aeronave sejam equipados com janelas de proteção individual (PPW na sigla em inglês), que são barreiras de plástico transparente projetadas pela RAS Completions, uma empresa especialista em interiores e exteriores de aeronaves do Reino Unido. Elas podem ser fixadas na parte traseira e nas laterais de qualquer assento de um avião.

“Nossa recomendação é que as companhias aéreas tornem as máscaras faciais obrigatórias e, se usadas em conjunto com a PPW, que deve ser limpa regularmente, o risco de contaminação da Covid-19 é mínimo”, afirmou o coautor do relatório, o doutor Cathal Cummins, professor da Heriot-Watt University, também em Edimburgo.

“Se todas as três medidas forem obrigatórias, junto com uma boa higiene pessoal, as companhias aéreas podem aumentar a proteção dos passageiros”.

Grupos de alto risco

Em julho, a Qatar Airways se tornou a primeira companhia aérea a tornar obrigatório para os passageiros o uso de escudo facial, além de máscara ou cobertura facial.

Fornecidos pela companhia aérea, os escudos têm uso obrigatório para os passageiros da classe econômica, a menos quando estejam comendo ou bebendo. Já os que viajam na classe executiva podem usá-los “a seu critério, pois têm mais espaço e privacidade”. Mesmo assim, todos os passageiros devem usá-los durante o embarque e desembarque.

A Philipine Airlines seguiu o exemplo no início deste mês. Ou seja, outras empresas podem optar por implementar esta regra no futuro.

Antes de embarcar, os clientes que viajam com a companhia aérea do Oriente Médio recebem kits de proteção que contêm protetores faciais, álcool gel para as mãos, máscara cirúrgica e luvas descartáveis.

Embora esteja claro que tais precauções podem limitar bastante o perigo de infecção (que já é relativamente pequeno), para alguns viajantes qualquer nível de risco é simplesmente uma aposta excessiva, especialmente aqueles em grupos de alto risco.

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Barnett, o professor do MIT, enfatiza que será necessário o desenvolvimento de uma vacina ou uma mudança no tratamento disponível aos pacientes da Covid-19 para que os viajantes ansiosos se sintam confortáveis para embarcar novamente, independentemente de quantas medidas de segurança sejam implementadas.

Ele está optando por não voar no momento devido a vários fatores de risco – aos 72 anos, o professor tem um risco maior de contrair o vírus e os homens são mais propensos a morrer de Covid-19 que as mulheres.

“Sinto muita falta”, admite. “Acho que voar é lindo e, em circunstâncias normais, extraordinariamente seguro. Mas essas não são circunstâncias normais.”

*Naomi Thomas, da CNN, contribuiu para esta reportagem

(Texto traduzido,clique aqui para ler o original em inglês).